É curioso como histórias reais atraem a atenção de estúdios, produtores e diretores. O interesse é ainda maior quando essas narrativas enfocam figuras controversas e polêmicas.  Em “Estrada Sem Lei”, o diretor John Lee Hancock (“Um Sonho Possível”, “Fome de Poder”) se apoia nessa atração para contar outro lado da história do célebre casal Bonnie & Clyde.

Hancock se popularizou em trazer narrativas verídicas da recente história americana. Mesmo que sua filmografia não seja rebuscada ou memorável por algum aspecto específico, “Estrada Sem Lei” parece ser um novo fôlego em sua trajetória.

Digo isso porque ele surpreendeu ao escolher contar a história do casal de criminosos mais famoso dos Estados Unidos sob a perspectiva da dupla responsável por dar fim ao seu reinado. Aqui, ele se concentra no trabalho dos policiais Frank Hamer e Maney Gault, vividos por Kevin Costner e Woody Harrelson, respectivamente. E por sinal, são eles o grande trunfo do filme.

A dobradinha Hamer e Gault

A presença de Hamer é imponente, capaz de intimidar apenas com um olhar. Por isso, ele toma a frente e faz o que acredita ser certo ou errado, porém, é esse grau de moralidade que não lhe permite enxergar a empatia do povo por Bonnie & Clyde. Isso ocasiona um dos momentos mais interessantes da produção, quando seu personagem perde a compostura com um frentista. Enquanto, para o pobre rapaz, o casal é a personificação de Robin Hood, Hamer estoura ao pensar nas famílias dos policiais mortos em exercício que ficarão sem sustento.

Em contrapartida, há Gault: irreverente e rabugento, ele está mais preocupado com a ação, sem distinguir o peso moral dela. O importante para ele é encontrar a solução, por isso usa métodos escusos como subornar ou espancar alguém pelo “bem maior”. O personagem de Woody Harrelson chega até mesmo a impedir que capturem Clyde, mas faz isso pensando alguns passos adiante. Não é a toa que, apesar de seus conflitos morais, ele atua em muitos momentos como a voz da consciência de Hamer.

Os dois personagens aparecem como sujeitos decadentes que tiveram seu auge no passado e hoje, mesmo sendo a última esperança do governo, estão ultrapassados. Os diálogos estabelecidos entre a dupla evidenciam isso por meio de seu estado físico e suas ações apontam o desgaste do tempo e da profissão.

Entretanto, são essas mesmas características que demonstram a eficiência da dupla e a eventual ausência de aptidão dos policiais menos experientes. Tudo isso envolto da química latente que há entre os personagens. A interação e os diálogos entre os dois oferecem as sequências mais importantes de “Estrada Sem Lei”, sendo, inclusive, mais eletrizantes do que a maioria das cenas ditas de ação.

Show técnico

Os aspectos técnicos do filme são outro ponto em destaque. A equipe de arte, principalmente as responsáveis pela cenografia e figurino, conseguiu com destreza remeter aos primeiros anos da década de 1930. Os carros de época, as estradas pouco pavimentadas rodeadas de mato e o armamento nos ambientam no período de maior atividade de Bonnie e Clyde. Quanto ao figurino, tudo remete para casar com a paleta de cor sépia escolhida para transportar ao passado: vestidos, penteados e chapéus femininos e os ternos em tons terrosos.

Outro aspecto que chama a atenção é o estilo de John Schwartzman. O diretor de fotografia, que costuma ser um parceiro regular de Hancock, coloca o contexto da obra como ocorrida em um tempo distante e saudoso. Embora suas escolhas sejam convencionais e sempre enfoque a dupla protagonista como o lado certo da lei. A luz constante a iluminar Hamer e Gault e a ausência de um rosto para o casal de criminosos evidenciam isso. Completando a ambientação da obra está a trilha sonora, que consegue ser agradável e dar um tom enérgico ao filme.

“Estrada Sem Lei” é um thriller de detetive que surpreende por seguir uma linha de condução oposta ao que se popularizou. Hancock e seu time procuram valorizar os responsáveis por acabar com o império do crime de Bonnie e Clyde, desprendendo-os do título de Robin Hood e os aproximando da real faceta de anti-heróis. Mas, ver isso em tela só torna-se satisfatório por conta de Costner e Harrelson.

Manos arriba!