Os ricos realmente vivem num mundo à parte… E parece que o filme French Exit também veio de um mundo à parte. O longa dirigido por Azazel Jacobs e roteirizado por Patrick deWitt – baseado em seu próprio romance – traz Michelle Pfeiffer e Lucas Hedges como mãe e filho ricaços às voltas com pessoas estranhas e um gato que pode ou não ter algo de sobrenatural a seu respeito. É um filme esquisitinho e que se deleita na própria esquisitice, mas que também traz um trabalho de personagem interessante o suficiente para manter o espectador com um sorrisinho de canto de rosto por uma parte da sua duração.
Pfeiffer vive uma socialite de Nova York chamada Frances Price. Um dia, ela descobre que está falida: as contas bancárias secaram após a morte do seu marido, alguns anos antes, e ela pensava que morreria antes do dinheiro acabar. Mas a falência dos ricaços é diferente da do resto de nós, mortais: Frances aceita a oferta muito legal de uma amiga generosa para ficar num apartamento em Paris. Sem pagar aluguel. Ela então pega seu filho, um jovem sem rumo chamado Malcolm (Hedges, coitado, só faz papel de desanimado) e viaja para a capital francesa, com um gato a tiracolo… No caminho, encontram uma vidente, uma senhora que mantém um interessante objeto congelado em seu freezer, um detetive… E o tal gato se perde… E tem a noiva de Malcolm, Susan (Imogen Poots)… E só de tentar rememorar um pouco da trama já me vejo de volta àquele mundo estranho do 1%, seus problemas emocionais e seus bichos de estimação sobrenaturais.
Se há um motivo para se assistir a French Exit, é Michelle Pfeiffer. A atriz aqui é dona do filme, de todas as cenas em que aparece. Ela consegue dotar a Frances de uma humanidade até comovente que vai emergindo aos poucos durante a trama, e ainda por cima está bem engraçada. É realmente um trabalho completo de atuação, que diverte e até comove, mesmo que o filme ao redor dela nunca se arrisque muito além da vibe melancólica “Wes Anderson light, sem a simetria”. Pfeiffer é vivaz, mesmo gelada, e torna o filme mais vivo. Como, por exemplo, na ótima cena em que Frances coloca um garçom francês metido no seu devido lugar, começando um pequeno fogo na sua mesa… É uma das melhores cenas do filme, e uma que ressalta o quanto aquela personagem e o seu mundo estão distantes da realidade, e o quanto a performance da atriz é essencial em fundamentá-la, não deixá-la virar uma simples caricatura.
OS ESQUISITOS SÃO OS MAIS MARCANTES
Além de Pfeiffer, também merecem destaque no elenco Danielle Macdonald como a vidente que forma uma estranha relação com aquela mãe e filho, e Valerie Mahaffrey como a impagável madame Reynard, outra personagem que não parece viver no planeta Terra. Completando o elenco, o dramaturgo, ator e roteirista Tracy Letts dubla o gato em algumas cenas – não perguntem… Hedges é o elo fraco, mais pelo personagem do que pelo desempenho do ator – mas não faz mal ele pensar, sim, em dar uma sacudida na carreira, mudar de agente, ou ambos, porque seus papeis repetitivos já estão começando a cansar. Enfim, Malcolm é concebido de modo tão inexpressivo que acaba sendo um nada pela maior parte da história, e quando a noiva dele aparece em Paris o espectador até se pergunta “uai, por quê?”. Se a intenção do roteiro era dotar esse personagem de um arco ou de usar seu crescimento como a força emocional do filme, então falhou terrivelmente.
É curiosa a experiência de se assistir a French Exit, porque ele alternadamente mostra ou apresenta personagens estranhos, para depois querer encontrar humanidade neles além da esquisitice. Às vezes o filme alcança esse objetivo, às vezes falha. E ele acaba se concluindo de uma forma também esquisita, demonstrando que a condução da história se perde perto do desfecho. Ainda assim, finda a sessão, fica-se com o belo trabalho de Pfeiffer e a sua interessante personagem, uma figura que consegue transcender – um pouco – o próprio subgênero “filme de problemas de gente rica”, e não se engane, esse subgênero existe, sim. Às vezes, as pessoas mais esquisitas são mesmo as mais marcantes.