Último filme da Mostra Aurora a estrear, “Grade” é um documentário que explora o potencial criativo de detentos. As filmagens ocorrem em uma APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), que permite aos presidiários um tipo específico de reclusão, onde assumem a manutenção do espaço, o controle das próprias atividades e de sua segurança.

“Grade” é um documentário que se utiliza de performances de suas personagens, para além do acompanhamento do cotidiano do local. As apresentações, quase sempre bem-humoradas, ressignificam um lugar que em um primeiro momento soa melancólico. O roteiro da obra é dividido entre vários dos apenados que também protagonizam o filme.

Essa busca por explorar limites além do documentário clássico já havia aparecido na Mostra Aurora em “A Colônia”. Aqui, porém, as performances não buscam emular a realidade dos prisioneiros, mas sim funcionam como a materialização de várias de suas ambições artísticas, profundamente estimuladas pelo tipo alternativo de organização a que estão submetidos.

O balanço entre as filmagens cotidianas, carregadas de tensão, e as esquetes é o ponto de condução de “Grade”. A direção de Lucas Andrade mantém uma certa taciturnidade ao filmar o dia a dia da APAC, posicionando a câmera como se fosse uma intrusa no recinto, aguçando o estresse entre os líderes do local na busca por tomar as melhores decisões para todos.

Ao adentrar o campo das performances, Andrade também se transforma, primeiro dando mais protagonismo aos personagens interpretando seus personagens, reproduzindo desde situações corriqueiras na vida de um detento, até circunstâncias nonsenses. Segundo, buscando um maior formalismo nas filmagens, uma câmera mais protagonista, apelando a uma direção de arte que não deixe desamparada as ambições dos apenados.

Entretanto, falta um pouco mais de conflito para o prosseguimento da narrativa. Em certo momento, “Grade’ aparenta sempre recuar frente à realidade que filma, e as atividades artísticas dos detentos são colocadas exclusivamente como esse ponto de fuga. Logicamente que para a estrutura ali desenhada, de homens com a liberdade interrompida, a arte também é esse lugar de sossego.

Mas para além disso, ao possibilitar apresentarem suas visões de mundo, angústias, desejos, tomando para si o direcionamento do filme, aqueles personagens ultrapassam o limite de uma arte que funciona apenas como alienação.

Há uma busca por um protagonismo concreto, que os permite errar inclusive. E dentro de uma estrutura prisional, a possibilidade do erro é uma das principais capacidades cerceadas. “Grade”, então, erra em seu recuo. Ao limitar-se a proporcionar aos personagens uma liberdade parcial, observada apenas nas esquetes, fugindo do conflito ao filmar o ambiente. O mesmo ambiente que busca justamente oferecer aos detentos um modo diferente de prisão.

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