Incerto é a melhor palavra para descrever “Granizo”. Assim como o tempo em Manaus – em que chove pela manhã e faz um sol de rachar a tarde seguido por noites abafadas –, o filme disponível na Netflix oscila por diversos gêneros e temas ao longo de quase duas horas de duração, sem aprofundar-se em nenhum. Isso torna a narrativa da produção argentina fraca e enfadonha.

Situado em Buenos Aires e Córdoba, “Granizo”, dirigido por Marcos Carnevale, conta a história de Miguel Flores (Guillermo Francella), um meteorologista com 100% de acertos em suas previsões, o que lhe ofertou o status de celebridade. No primeiro dia de seu programa sobre o clima, contudo, ele comete um erro e acaba sendo odiado por quem o amava. Várias discussões surgem a partir deste ponto, porém nenhuma delas se organiza de forma satisfatória.

Uma jornada de falhas

O roteiro assinado por Fernando Balmayor e Nicolás Giacobone (vencedor do Oscar por “Birdman”) utiliza o erro de Miguel para explorar situações inacabadas da vida do protagonista como a relação com a filha, sua cidade e o processo de luto, responsável por ele mergulhar na meteorologia. Nessa construção, contudo, a história falha por não apresentar contrapontos.

Não há espaço para questões imprevisíveis ou para discussões que fujam do lugar comum. Ao ser cancelado pelo equívoco, o protagonista segue o caminho que vemos em tantos filmes que abordam jornadas de redenção. Entendo que a narrativa foca justamente em mostrar uma solução para quem está cancelado e as trapalhadas que Miguel vive por ter uma rotina diferente da filha até geram momentos de humor, porém não são suficientes para segurar a trama e trabalhar os efeitos do cancelamento.

A escolha de ter uma história paralela para enriquecer isso até tentar dar um novo fôlego à narrativa, contudo, não há um desenvolvimento funcional. O taxista (Peto Menahem), na verdade, parece existir como justificativa às ações de Miguel, invés de colaborar com sua jornada de redenção.

Jornada esta que também não é muito efetiva. Parte disto ocorre porque o protagonista é unidimensional e, apesar do erro e precisar revisitar o modo de lidar com algumas questões, não há mudanças para que ele retorne e alcance seu objetivo. Da mesma forma que Miguel começa a trama, orgulhoso por seu programa solo em horário nobre, ele a finaliza. O que acontece no decorrer de “Granizo” parece alimentar sua soberba e arrogância, o que culmina em receber todos os créditos e apenas ao final citar quem foi o verdadeiro responsável por descobrir a chuva de granizo.  A falta de desenvolvimento da relação com os outros personagens contribui para essa perspectiva.

Ausências que geram incertezas

Há uma ausência de profundidade que permeia a trama. Além de nenhum personagem ser tridimensional, os dramas são rasos, temos cenas que tentam costura-los, mas não há liga, fazendo com que os temas propostos a discussão sejam relegados a superficialidade. Falo isso com pesar, porque os assuntos são contemporâneos e interessantíssimos para suscitar debates como a construção de imagem e o afeto nas redes sociais, abandono parental e a confiança em figuras públicas. Vemos um vislumbre de todas essas questões, sem nunca adentrarmos nelas de fato, gerando um tom enfadonho e empobrecido a produção.

Outro ponto incerto são os gêneros com os quais “Granizo” flerta. Num primeiro momento, estamos diante de uma comédia dramática focada na jornada do herói. Conforme a trama se desenrola, assume um tom de filme catástrofe com direito a efeitos visuais no melhor estilo “Destruição Final” e tantos outros filmes protagonizados por Gerard Butler. No meio de tudo, há ainda um drama familiar complexo com resoluções simplistas.

Tudo isso aponta para as incertezas e oscilações que a trama aponta. Carnevale ainda tenta se apoiar no absurdo, mas o resultado é a superficialidade, que gera uma falta de simpatia do espectador. Um resultado controverso para uma história criada pelo mesmo autor de “Birdman” e “O Regresso”.

MAIS CRÍTICAS NO CINE SET