Amor, tesão e tragédia dão a tônica de “Great Freedom”, o belo e potente novo filme de Sebastian Meise. A co-produção Áustria-Alemanha, que estreou (e foi premiada) na seção Um Certo Olhar no Festival de Cannes, foi exibida no Festival de Londres deste ano. O drama de época tem uma história pesada, mas, tocante e é ancorado na performance sublime de Franz Rogowski (“Victoria”, “Em Trânsito”), que o confirma como um dos melhores atores alemães em atividade.
Rogowski estrela o filme na pele de Hans, um homem preso repetidas vezes por manter relações sexuais com outros homens, durante a época em que a homossexualidade era ilegal na Alemanha. Indo e voltando no tempo, a produção o acompanha de 1945 (quando ele é transferido de um campo de concentração nazista para uma prisão civil) até 1969 (quando a lei que criminaliza sua orientação sexual é revogada). Entre suas várias passagens na cadeia, o que sobrevive é sua completa obstinação em viver a vida nos seus termos.
VERVE ÉPICA
Maise e seu colaborador habitual Thomas Raider escrevem uma história de resistência diante de um sistema desumano. O roteiro argumenta que pessoas como Hans andaram para que os gays das futuras gerações pudessem correr. Seu afeto era limitado a encontros furtivos, que aconteciam até ele ser flagrado e preso. Transas – ou até mesmo beijos – vinham com um alto custo e risco. Mesmo quando ele se apaixona, é tratado da mesma forma pelo aparato legal.
Rogowski o interpreta bravamente como um homem andando em uma corda-bamba. Por um lado, há uma calma no protagonista que vem da completa falta de culpa por seus atos. Por outro, há uma impotência irada diante dos maus-tratos a que ele e seus pares são submetidos. Quando dá vazão a ela, como na cena em que tem que lidar com um fato terrível envolvendo um prisioneiro que ele amava, por exemplo, é de partir o coração.
Através de coadjuvantes memoráveis, o longa explora facetas diferentes da homossexualidade – como o gay de ocasião, o gay atormentado, o gay negacionista, etc – mas seu foco é na jornada de Hans. Com 116 minutos, é certo que essa jornada poderia ter sido um pouco mais enxuta. Porém, o tempo extra acaba dando uma verve épica ao longa, com as várias fases da história da Alemanha compondo um complexo pano de fundo que comenta sobre a saga do protagonista.
INQUIETANTE SENTENÇA
Há o paralelo de que tanto a Alemanha nazista quanto a pós-guerra reservavam tratamento similar para gays (detenção). Há a mudança do comportamento dos parceiros de Hans, mais novos e logo criados com diferentes visões de mundo. E finalmente há um ponto incômodo sobre descriminalização da homossexualidade: com o sexo liberado, amor se torna um bem ainda mais escasso.
O título, tanto em alemão quanto em inglês, traduz-se como “Grande Liberdade”, algo que reverbera em vários níveis no filme de Maise. A grande liberdade para Hans, para além das paredes e da violência que o aprisiona, está em abraçar a dor e a delícia de ser o que se é independente das consequências. O desafio para ele, uma vez fora das grades, é conciliar esta liberdade com outras. Para quem só conhece a prisão, o lado de fora pode ser a mais inquietante sentença.