“Identidade” é um lançamento da Netflix dirigido por Rebecca Hall e adaptado da peça de teatro “Passing”. O nome original em inglês se refere ao conceito de passabilidade, a possibilidade de uma pessoa de determinado grupo identitário ser considerada como pertencente a outro grupo. No caso do filme, temos duas mulheres negras que em determinados momentos são tidas como brancas.

Irene Redfield (Tessa Thompson) mora no Harlem, bairro majoritariamente negro em Nova York, e é casada com Brian (André Holland) com quem tem dois filhos. Certo dia, enquanto passeia por um bairro de elite branca, ela encontra uma antiga amiga de Chicago. Trata-se de Clare Kendry (Ruth Negga), também casada com um homem branco, que odeia negros, e com quem tem uma filha branca.

A partir desse encontro, as questões relacionadas às suas identidades começam a afetar as duas mulheres. O filme é todo filmado em preto e branco e remete sempre a produções mais clássicas hollywoodianas, utilizando inclusive um formato de tela 4:3. Direção e equipe técnica tentam a partir dessas escolhas reforçar a ideia de crise de identidade, ao colocar duas protagonistas negras em uma produção que rememora uma época do cinema americano dominado por atores brancos.

É nessa construção de ambiente que “Identidade” mais se destaca. Acompanhamos por vezes passos de pessoas para um lado e para o outro, rachaduras na parede, personagens enquadrados de forma a parecerem pequenos no espaço e, principalmente, os olhares tristes tanto de Irene quanto de Clare. É um filme sobre olhar, sobre observar o outro em busca de si mesmo.

O CAMINHO PARA AS RÉDEAS DA PRÓPRIA VIDA

Após o primeiro encontro entre as protagonistas, quando o marido de Clare se mostra como um desprezível racista que não sabe ser casado com uma mulher negra, vem à tona o desejo dela de sair daquela situação. Isso se reforça ainda mais no momento em que a personagem de Ruth Negga passa a frequentar mais a casa da amiga no Harlem, rodeada de outras pessoas negras.

Mas algo muda para Irene também. De forma sutil, o filme começa a colocar as questões que a envolvem, principalmente na relação com o marido e até mesmo um ciúme da amiga. Destaque aqui para a edição de som ao colocar sussurros, conversas distantes, zunidos como parte essencial para construir as desconfianças que rondam o imaginário da personagem.

“Identidade” consegue tratar sobre racismo, machismo e até mesmo questões de classe, como na relação entre a família Redfield e sua empregada, utilizando as escolhas técnicas para tal, transformando o ambiente, tanto visual quanto sonoro, em um reflexo do interior de suas personagens.

Próximo ao fim da obra, quando a neve cai e a cor branca domina certos espaços, e as duas mulheres chegam ao seu momento de rompimento com o que as aflige, cada uma a sua forma, com suas escolhas possíveis, reforçando uma individualidade da qual buscam desde quando se encontram pela primeira vez.