Consigo imaginar vários filmes ambientados em cavernas. Desde ficções científicas a fantasias até true crimes, esse parece ser um ótimo cenário para criar dramaticidade, viver aventuras e encontrar novos mundos; no entanto, nenhum desses caminhos se assemelha ao que Michelangelo Frammartino faz em seu “Il Buco”.

Ambientado em um vilarejo na zona rural da Calábria, acompanhamos à distância uma expedição no Abismo de Bifurto, considerado um dos pontos mais profundos da Europa. Intocado e inexplorado, este é o quadro que o diretor italiano nos faz mergulhar com uma câmera observadora, digna de um episódio de “O Mundo Por Cima”, mas, desta, vez a explorar o centro da terra.

Um olhar quase antropológico

“Il Buco” é um filme contemplativo, poucos são os diálogos e o desenvolvimento de personagens e trama. Frammartino está mais preocupado em nos fazer imergir na situação retratada, como se fôssemos habitantes das montanhas silenciosas que escondem a fenda. O registro dele, de certa forma, relembra um projeto etnográfico, focado em mostrar a existência ao redor do Bifurto, ao mesmo tempo em que o explora.

Conhecemos a vila localizada no interior pouco turístico da Itália, com suas casinhas originárias, as ruas estreitas e a sensação bucólica que o cotidiano ali remonta. Não surpreende, então, que a chegada dos pesquisadores evidencie uma pequena mudança na vida prosaica.

As roupas clean, o jeito de andar semelhante e o comportamento dos forasteiros demarcam as divergências entre os habitantes do território e seus exploradores. Tendo em vista a ausência de diálogos, a divisa entre os personagens se dá de forma visual. A fotografia de Renato Berta é responsável por aclimatar e oferecer um contraponto entre as personas, principalmente ao utilizar a iluminação natural da região. Por um lado, o vilarejo está coberto pela luz projetada pelo sol entre as montanhas, o que corrobora para que ele seja apresentado cheio de crianças com pés ligeiros e em constante movimento e idosos respeitados por sua vivencia, misticismo e encantaria.

O grande destaque nesse núcleo é Paolo Cossi, que interpreta um senhor eremita que, ao longe, observa a escavação ao mesmo tempo em que sente em seu próprio corpo as perfurações na natureza. A interlocução aqui transposta entre homem e natureza é curiosa e incide sobre a falta de perspectiva de desenvolvimento social, uma vez que os desdobramentos da pesquisa e escavação se prolongam no corpo da figura espiritual da vila. O inusitado é perceber que, embora este seja um filme europeu, esta é uma percepção e tratamento ameríndio o qual enxerga em seus ancestrais e anciãos a fonte de sabedoria grupal.

Tom documental

Em paralelo a isso, a ambientação dentro da caverna é silenciosa, sombria e perigosa. Conforme os exploradores adentram o espaço, muitas tramas que se passam em grutas remontam a memória, mas nenhuma se assemelha ao que Frammartino emula; visto que ele se atém a mostrar o real, conferindo um tom documental ao projeto que deixa claro como uma expedição ao fundo da terra realmente funciona: a iluminação baixa vinda unicamente dos capacetes, o perigo iminente de um desabamento, os bolsões de água natural que se encontram conforme escava-se para o centro do planeta e a vida nômade dos pesquisadores.

Em resumo, este é um filme verossimilhante, contemplativo e distante. Acompanha-se o empreendimento, a natureza idílica que só a Itália é capaz de proporcionar, a calmaria do interior. Embora tudo isso seja atrativo, não consegue segurar a trama devido ao ritmo lento, os silêncios e a completa ausência provocada pela câmera e a própria grandeza do território; resultando em uma perca de folego na parte central da projeção, tornando o filme cansativo e repetitivo.

É inegável, contudo, que “Il Buco” é um convite à contemplação, um mergulho à composição visual poética de uma região pouco explorada turisticamente, mas com muito a se exibir. Um filme ideal para quando se quer fugir para as montanhas sem sair do aconchego do lar.