Se remakes e a onda de nostalgia tem sido alguns dos propulsores da cultura pop, “Iluminadas” consegue homenagear os filmes de suspense e serial killer populares nos anos 1990. Baseada no livro homônimo de Lauren Beukes, a produção original da Apple TV+ conta com um elenco engajado para contar uma história de misoginia e investigação jornalística.

Criada por Silka Luisa, a série acompanha a jornada de Kirby (Elisabeth Moss), uma jornalista com futuro promissor que tem a vida virada de cabeça para baixo depois de ser atacada por Harper (Jamie Bell). Ao contrário de outras vítimas, a protagonista sobrevive e decide caçar o algoz. À medida em que investiga, ela percebe que existe uma conspiração muito maior do que imagina e conta com a ajuda de outro jornalista, Dan Velásquez (Wagner Moura), para desvendar seu caso e de outras mulheres.

Um quebra-cabeça dos anos 90

Para contar essa história, temos uma série de elementos que se complementam e tornam a história um grande quebra-cabeça para desvendarmos junto com Kirby. Suspense, mistério e viagem no tempo nos fisgam a cada episódio tornando as engrenagens que movimentam a trama atraentes e carregados de interrogações. Luisa conduz a narrativa como se nos deslocasse para dentro dos filmes de investigação dos anos 90. De “Se7en” a “O Colecionador de Ossos”; a coloração, a cenografia e o mistério nos remetem a esse tipo de produção.

“Iluminadas” se passa entre 1920 e o início dos anos 1990, o que, de certa forma, justifica a inspiração em tais filmes. A fotografia assinada por Bonnie Elliot (“Estado Zero”) e Robert McLachlan (“Lovecraft Country”) emula a escuridão e o perigo que Chicago poderia oferecer a uma mulher independente observada por um maníaco. Os planos com câmera no tripé, imagens escuras e as rimas visuais entre Kirby, as outras vítimas e Happer nos levam para dentro de uma sessão de Supercine comandada por mulheres.

Detalhes femininos

Elisabeth Moss assina dois episódios juntamente a Daina Reid (“The Handmaid’s Tale“) e Michelle MacLaren (única mulher a dirigir episódios de “Game of Thrones”) que revezam a direção no decorrer da temporada. A presença feminina massiva é um fator sintomático para contar uma narrativa sobre mulheres e a misoginia que nos assola. “Iluminadas” expõe o silenciamento imposto às vítimas de violência contra mulher e os traumas que esse tipo de situação apresenta. A direção é precisa em mostrar tudo isso por meio de detalhes visuais. Seja a mudança no corte de cabelo, a posição de uma caneca ou até mesmo a existência de um animal de estimação; tudo gera curiosidade e perguntas que mantém o espectador atento.

À medida que a jornada de Kirby se torna mais clara, o seriado adquire camadas que a elevam ao patamar de outros mistérios bem arquitetados nos últimos anos como “Westworld” e “Dark”. Assim como a série alemã, tudo está conectado e, conforme as peças se complementam, nossas perguntas encontram respostas, que conduzem a questionamentos maiores.

Elenco de milhões

Um dos maiores acertos de “Iluminadas”, contudo, é o seu elenco. Elisabeth Moss, mais uma vez, brilha e mostra a razão de ser uma das atrizes mais bem quistas da televisão. Sua Kirby lembra em muitos momentos a detetive que interpreta em “Top of the Lake” alinhada a angústia de alguém que está fora de seu tempo e presa aos traumas ocasionados pela misoginia. Enquanto isso, Jamie Bell tem uma presença assustadora, conseguindo impor medo apesar de suas poucas palavras. No entanto, quem rouba a cena é Wagner Moura.

O ator baiano traz um pouco da ginga brasileira para o seu personagem por meio das camisas de “Os Mutantes” e os diálogos em português com o filho. O que chama atenção, contudo, é a sensibilidade que sua persona carrega, conseguindo oferecer a Kirby a confiança que esta necessita.  Multifacetado, o jornalista suscita ainda discussões em torno da integridade e ética jornalística somado a problemática do alcoolismo e a missão de cuidar do filho adolescente sozinho. É uma pena, justamente por esse olhar enriquecedor trazido a trama, que seu final deixe um gosto agridoce para uma produção com muito mais acertos que erros.

“Iluminadas” é uma produção cheia de reviravoltas e dualidades. O mistério intrigante, os personagens bem construídos e interpretados e o olhar feminino técnico tornam a narrativa viciante. Tudo isso aponta ainda para a qualidade das produções seriadas da Apple TV+, parece que finalmente a HBO tem uma concorrente à altura.