Não é muito comum vermos filmes norte-americanos mostrando a pobreza nos Estados Unidos – e não se engane, ela existe. Indústria Americana se inicia com cenas de inverno e uma paisagem desolada. Uma legenda nos informa que estamos em 2008, ano em eclodiu a maior crise do capitalismo desde a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Vemos uma fábrica da General Motors sendo fechada na cidade de Dayton, no Estado de Ohio, levando milhares de pessoas da região ao desemprego imediato.
Este documentário, dirigido por Steven Bognar e Julia Reichert e realizado pela produtora do casal Barack e Michelle Obama para a Netflix, acompanha a retomada da fábrica alguns anos depois, entre 2015 e 2017, quando ela foi reaberta e assumida por investidores chineses da empresa Fuyao. Vemos o anúncio e a abertura da fábrica, dedicada à produção de vidros para automóveis, cercados de pompa e entusiasmo. Porém, logo começam a surgir os entraves, digamos, culturais, entre os povos.
Os norte-americanos passam a se admirar com a disciplina e o amor quase religioso (e exagerado) dos chineses pela empresa em que trabalham. Já os chineses não se preocupam muito com segurança no trabalho, o impacto ambiental da fábrica, e acham que os norte-americanos trabalham pouco e ainda por cima não fazem hora extra. Numa cena engraçada, vemos alguns supervisores norte-americanos da fábrica indo à China fazer um treinamento: enquanto os chineses se apresentam sempre arrumados, de terno, e comedidos, os americanos estão acima do peso (claro), com barba por fazer e até usando camisetas, uma delas do filme Tubarão (1975).
Os chineses também não querem nem saber de sindicato por perto – e a luta dos trabalhadores e do sindicato por melhores condições no terço final do filme conduz a narrativa. O tema é interessante e a abordagem do documentário também. Bognar e Reichert se esforçam para dar voz aos dois lados da situação, e conseguem, fazendo de Indústria Americana um olhar equilibrado sobre o tema. O filme não tem uma veia irônica, estilo Michael Moore. Os chineses, apesar da sua gana capitalista, não são mostrados como vilões; nem o sindicato é mostrado como a “última esperança” dos trabalhadores.
TRISTE RELATO DO CAPITALISMO
Os diretores fixam o olhar num interessante “outro lado da moeda” proporcionado pela globalização: durante muito, tempo indústrias norte-americanas se estabeleceram em outros países e impuseram, às vezes com arrogância, a sua visão capitalista e de produção – nós, brasileiros, bem sabemos disso. Agora é a vez de eles experimentarem esse processo, e no seu próprio território. E Riechert e Bognar deixam as imagens e as pessoas em foco contarem essa história. Não há narração e a montagem é fluida, quase sempre, o que mantém nosso envolvimento – embora o filme gaste um tantinho razoável de tempo mostrando as tradições chinesas, algumas meio bizarras, na viagem ao país.
No geral, Indústria Americana é um documentário muito bem produzido, com um trabalho muito inteligente de montagem, e também de trilha sonora, que ajudam a manter a atenção do espectador. Aborda com inteligência o tema da divisão: no fundo, os povos não são tão diferentes assim, e o capitalismo os aproxima e os afasta ao mesmo tempo. O fato dos Obama estarem envolvidos na produção não influencia no resultado final, que se mostra bastante equilibrado – e o filme não deixa de servir como um pequeno ponto de reflexão para quem achou o governo Obama decepcionante
Ao final, o que fica é uma ponta de tristeza pelo estado atual do capitalismo, no qual trabalhadores ganham pouco, trabalham em condições problemáticas e são vistos como meras ferramentas de produção, enquanto empresas e países colhem os frutos. Trata-se da mesma velha história, agora em escala amplamente globalizada. Ao que parece, nem os EUA estão mais imunes a isso.