James Wan é um cara esperto, um cineasta inteligente e talentoso, que não fez nenhuma obra-prima, mas também não realizou nenhum filme ruim até agora. No seu trabalho dentro do gênero terror, ele não reinventou a roda, mas soube dar uma bela polida nela, trazendo seu toque e sua visão a histórias com formatos já consagrados no cinema, como o filme de serial killer com o primeiro Jogos Mortais (2004), o longa que o revelou; ou o filme de casa mal assombrada com Sobrenatural (2011) e os dois primeiros filmes Invocação do Mal, lançados em 2013 e 2016. Invocação do Mal foi tão bem sucedido que virou um fenômeno, ancorado por dois ótimos atores em papeis carismáticos e retomando a sensação gostosa de ser aterrorizado na sala escura com demônios e aparições, naquele estilo clássico da várias obras dos anos 1970.

E com o tempo, o filme originou até seu próprio “universo cinematográfico”, com diversos filmes derivados lançados nestes últimos anos. O “Conjuringverse”, como é chamado em inglês, com certeza funciona melhor dentro do estúdio Warner do que o universo dos super-heróis DC. Mesmo assim… Na hora de fazer o terceiro Invocação do Mal, Wan cedeu o posto de diretor, embora ainda permaneça no filme como produtor e autor do argumento. Talvez o medo da “maldição do terceiro filme”, de lançar um longa abaixo do nível dos dois primeiros, como tão frequentemente ocorre em Hollywood, tenha assustado Wan mais do que qualquer demônio.

Enfim, em Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio, retomamos o casal Warren, os demonologistas mais famosos do cinema, em mais uma história de arrepiar os cabelos “baseada em uma história real” com muitas aspas. É 1981 e a trama do filme se baseia no caso verídico de Arne Johnson, que cometeu um assassinato e alegou no tribunal, em sua defesa, que estava possuído por um demônio. Afinal, como o próprio Ed Warren (Patrick Wilson) afirma, se o tribunal reconhece Deus quando pede a alguém para jurar dizer a verdade sobre uma Bíblia, por que não reconheceria o demônio? Há uma certa lógica aí…

O longa já começa com o pé no acelerador enquanto acompanhamos Ed e Lorraine Warren (novamente, Wilson e Vera Farmiga) realizando o exorcismo de um garotinho. Porém, durante o violento ritual a entidade assume o corpo do jovem Arne (Ruairi O’Connor). Para evitar que Arne receba a pena de morte pelo seu crime posterior, os Warren começam uma investigação para salvá-lo, descobrindo com o tempo que uma maldição pode ter sido “plantada” de propósito sobre a família.

Bem, é preciso reconhecer que Invocação do Mal 3 tenta. É um filme esforçado. Ele tenta variar um pouco a fórmula dos dois primeiros, que se concentravam em casas assombradas e eram mais confinados. Nele, vemos o casal protagonista investigando e juntando as peças de um mistério, o que traz uma nova dinâmica e evita o filme se tornar uma mera repetição dos anteriores. E embora, claro, haja as tradicionais aparições demoníacas e jump scares na história, a produção tem também um antagonista mais pé no chão – bem, tanto quanto esse tipo de filme permite.

‘O PODER DO AMOR’ DE NOVO

Porém… Michael Chaves, o diretor da vez, não é nenhum James Wan. Chaves, realizador do pior filme do “Conjuringverse” até hoje, A Maldição da Chorona (2019), simplesmente não consegue orquestrar a tensão de modo tão hábil quanto Wan. Apesar de até extrair boas atuações do elenco, é um daqueles realizadores que se apega muito à computação gráfica, usando pixels e computadores para mostrar o que Wan provavelmente faria de modo mais simples e efetivo. Ainda assim, é preciso reconhecer que de Chorona para Invocação 3, Chaves avançou bastante.

O diretor também é sabotado um pouco pelo roteiro que se mostra inconsistente, principalmente, ao se aproximar do final. No último ato, a trama de Invocação do Mal 3 se revela bem boba, com as motivações da antagonista sendo mal explicadas, e toda a “parte real” da história, ambientada nos tribunais, sendo contada às pressas, talvez por receio de que o espectador quisesse questionar alguma coisa. O final do filme é bem fraco e apressado, repleto de jump scares e de cenas do reforço do amor entre o casal protagonista – sim, pela terceira vez o “poder do amor” faz diferença na trama.

As razões para o espectador continuar assistindo são, novamente, Wilson e Farmiga. A essa altura os dois já estão íntimos dos seus personagens, gostam de voltar a eles, e a química entre ambos já se encontra tão refinada que acaba sendo prazeroso apenas passar mais um tempo com o Ed e a Lorraine da ficção, e vê-los rir de uma piadinha sobre Elvis ou cuidar um do outro nos momentos de dificuldades. No cinema, às vezes se subestima a contribuição de atores e atrizes. Ora, se o “Conjuringverse” virou uma franquia de cinema sem data para acabar, isso se deve em grande parte a Wilson e Farmiga.

O que nos traz de volta a Wan. O DNA dele está no filme e ,talvez com ele no comando, a sua visão pudesse ter superado os problemas do roteiro. Talvez. Mas no fim das contas, é preciso julgar o filme que existe e não o que gostaríamos que tivesse existido, não é? Dentro do “Conjuringverse”, este Invocação do Mal 3 está longe de ser o pior exemplar, pois as presenças de Wilson e Farmiga fazem diferença. Ainda assim, ele é mais uma demonstração de que a franquia como um todo vem perdendo o gás há algum tempo. E não se pode negar que é um filme assombrado… pelo diretor que virou fantasma.

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