Muita gente gosta de Kingsman: Serviço Secreto (2015), a aventura de espionagem do diretor Matthew Vaughn baseada nos quadrinhos de Mark Millar e Dave Gibbons. Para ser sincero, leitor, eu não faço parte do time. O filme tem seus momentos divertidos e é extremamente bem-produzido, claro, mas, considero uma obra adolescente no pior sentido do termo. Também noto nele subtextos reacionários: apego à tradição, aos “velhos tempos em que os cavalheiros britânicos resolviam tudo e eram homens de verdade” e o plano do vilão era destruir a humanidade pela internet e pelo celular, duas coisas que “deixaram o mundo muito chato”. Vaughn parecia um tiozinho do WhatsApp, fazendo um filme engraçado, colorido e tresloucado, mas contrabandeando para dentro da experiência alguns dos seus lamentos pelo estado do mundo e com umas doses de misoginia para temperar. E a continuação, Kingsman: O Círculo Dourado (2017), teve gosto de piada contada duas vezes.

Que fique claro: como alguém que ama o gênero ação e grandes espetáculos, não sou imune a uma dose de reacionarismo em filmes. Ora, cresci nos anos 1980, vendo o nosso querido Garanhão Italiano incendiando um bandido depois de dizer “você tem o direito de ficar calado” em Stallone Cobra (1986). Fazem parte do gênero filmes com tendências de direita, quando não fascistas mesmo. Acontece que Stallone Cobra é também divertido: hoje consigo vê-lo no contexto da época e passar por cima do seu aspecto fascistão, e só prestar atenção na parte legal de ver o herói fazendo picadinho de bandidos. Não é algo feito para ser realista. E foi o que aconteceu com os filmes Kingsman: há momentos divertidos nos dois longas, o que ajuda os subtextos reacionários a descerem pela garganta de muitos espectadores.

Isso nos traz ao terceiro filme da franquia, King’s Man: A Origem. Novamente dirigido por Vaughn e co-roteirizado por ele junto com Karl Gajdusek, este, na verdade, é uma prequel, ambientado antes dos anteriores: a história se passa na Primeira Guerra Mundial e acompanhamos o Duque de Oxford (vivido por Ralph Fiennes) e o filho Conrad (Harris Dickinson) se envolvendo no conflito e lutando contra uma organização misteriosa que deseja a escalada da guerra. Bem, para quem viu a hoje esquecida bomba Os Vingadores (1998) – não os da Marvel – rever Fiennes como herói de ação e lutando de terno, chapéu-coco e guarda-chuva é uma lembrança no mínimo irônica… Enfim, eles acabam formando a agência de espionagem Kingsman que vimos nos filmes anteriores, pronta para combater o mal, e com seus agentes sempre impecavelmente vestidos.

 DEFESAS QUESTIONÁVEIS

O problema deste A Origem é que é Kingsman e Vaughn sem os momentos de porra-louquice dos anteriores, sem sequências como da igreja ou a participação do Elton John. É como se o diretor dessa vez quisesse um filme um pouco mais sério – só um pouco – e com base no contexto histórico real da época. Tais aspectos geram uma obra que não tem quase nada dos lampejos criativos dos anteriores e só resulta enfadonho e previsível. E, sem o humor e a maluquice, o que sobra é o reacionarismo.

Ora, no filme o embate entre pai e filho – que quer se alistar na guerra contra a vontade do Duque – é o cerne dramático da trama. E a forma como ele é resolvido reafirma todas as tendências que já se observavam nos filmes anteriores. Na visão de Vaughn – e realmente gosto de vários de seus filmes, como Nem Tudo é o que Parece (2004), Kick-Ass (2010) e X-Men: Primeira Classe (2011) – seria ótimo existir uma “casta”, um grupo de pessoas que representam o melhor do seu país, resolvendo os problemas do mundo. Problemas, claro, causados por outros da mesma casta.  

Resumindo: um viés autoritário e conservador mesmo, de defesa de uma aristocracia. Basta estudar um pouquinho de História para sabermos o que a aristocracia britânica fez por aí ao redor do mundo, ou até trazendo para o nosso contexto atual, o quanto confiar em pessoas “especiais” ou “iluminadas” para resolver os problemas mundiais tem dado certo.

PEQUENO ALENTO

Seria mais fácil aceitar a visão do diretor – que apesar de tudo, é coerente com o que fez desde o primeiro Kingsman – se este novo filme, pelo menos, divertisse um pouco, mas não é o caso. De novo, King’s Man: A Origem é muito bem-produzido, visualmente impactante e com efeitos visuais de primeira. Vaughn se diverte colando a câmera nas espadas de participantes de um duelo, e parece recriar de forma divertida um momento do drama de guerra 1917 (2019). Mas é também uma narrativa arrastada e previsível – dá para adivinhar facilmente quem é o vilão misterioso e tudo que o espectador imagina que vai acontecer na história acaba acontecendo mesmo, sem surpresas.

O filme só ganha vida mesmo nas cenas com o divertidíssimo Rhys Ifans e sua caracterização como Rasputin, o esquisito místico russo que virou figura lendária da História. Conhecido por “Um Lugar Chamado Notting Hill”, o ator traz energia ao filme e a cena de luta entre ele, Fiennes e Dickinson é o único momento do longa no qual ele chega perto, por exemplo, da piração da luta na igreja do original.

Mas Ifans é um pequeno alento: King’s Man: A Origem acaba escancarando mesmo o cansaço da sua franquia e do seu diretor, que já podia ter deixado isso aqui de lado e partido para outra. Afinal, se Kingsman como zoeira já era um pouco questionável, como algo mais sério é que não funciona mesmo. E com a defesa de conceitos tão ultrapassados, torna-se uma obra que já nasceu com o prazo de validade expirado.

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