O mais recente lançamento da Pixar, “Luca” (2021), dirigido pelo cineasta e ilustrador italiano Enrico Casarosa em seu primeiro longa-metragem como diretor, é um belo filme sobre amadurecimento, superação do medo pelo desconhecido e aceitação das diferenças em vários sentidos. Embora não seja uma obra-prima, é um filme que, com sua simplicidade, conversa tanto com o público infantil quanto o adulto.

O enredo segue o monstro-marinho Luca (Jacob Tremblay) que vive com a família em uma caverna no fundo do mar. O jovem possui grande interesse pelo mundo humano e isso acaba servindo de base para todo o desenrolar da trama. Aqui se tem uma breve semelhança com Ariel, de “A Pequena Sereia” (1989), em que a protagonista também possui bastante apreço por objetos jogados ao mar pelos humanos e grande curiosidade pelo mundo terrestre. Assim como o pai de Ariel, a mãe de Luca, Daniela (Maya Rudolph), e seu pai, Lorenzo (Jim Gaffigan), estão bastante preocupados com a inclinação do protagonista pelo desconhecido. Durante uma de suas explorações, Luca conhece Alberto (Jack Dylan Grazer), outro monstro-marinho que pode curiosamente se transformar em humano sempre que sua pele fica seca.

Logo, Luca descobre que também possui a habilidade de se transformar em humano da mesma forma e, maravilhado pela recente descoberta (e pelo mais novo amigo), começa passar horas do dia experimentando a vida terrena. Momentos que são vivenciados sempre com muita diversão e alegria graças a rápida conexão de amizade que os garotos tiveram entre si. Entretanto, com a descoberta dessa aventura pelos pais, Luca junto com seu mais novo amigo parte em uma missão para conseguir uma moto Vespa para poder fugir e conhecer novos mundos. É possível observar uma outra referência bem sutil com as animações do Hayao Miyazaki com seus pontos de partidas simples, mas, desenvolvidas com complexidade. E, principalmente, com o cenário e elementos semelhantes a “Ponyo” (2008) – animação que narra a história de amizade entre um garoto e uma menina-peixe que é encantada pela vida fora do mar.

 ENCONTRAR BOAS PESSOAS

Apesar de ser voltada mais para o cartoon, a animação é de um excelente nível técnico dos padrões do estúdio. É fascinante ver a Pixar adotando novos estilos de animação, sem nunca perder a essência. A trilha sonora ajuda a construir todo esse cenário de um vilarejo italiano, além de dosar as cenas de tensão do imaginário popular acerca de monstros da mitologia marinha.

Com a energia trazida pela amizade genuína entre Luca, Alberto e, em seguida, pelo surgimento da jovem humana Giulia (Emma Berman), o filme traz cenas divertidas de um verão italiano inseridas em belas paisagens arrebatadoras. O roteiro de Jesse Andres e Mike Jones – este último que também co-escreveu “Soul” (2020) – certamente não é inovador. A forma como os conflitos são resolvidos acaba trazendo uma sensação de que o desenvolvimento dos personagens poderia ter sido mais bem trabalhado. Luca e Alberto poderiam testemunhar situações mais perigosas, como é destacado em vários momentos durante o filme, mas que acabaram ficando em segundo plano. Isso resulta em um desfecho resolvido de forma muito fácil. Porém, a simplicidade da história atrelada à mensagem que a animação busca contar permite ao espectador se envolver e aproveitar cada minuto das aventuras.

Em um contexto em que a sociedade contemporânea retrocede cada vez mais, permitindo o surgimento de pré-julgamentos do que é diferente e desconhecido, “Luca” levanta a reflexão de que as pessoas devem deixar os preconceitos de lado e permitir-se conhecer novas formas de mundo, novos horizontes. Ideia reforçada pelo diálogo da família do protagonista nos minutos finais do filme.

“- O que ele fez hoje foi incrível. Mas, não podemos deixar que ele fique neste mundo, podemos?

– Algumas pessoas nunca vão aceitá-lo. Mas outras vão. E parece que ele sabe encontrar as pessoas boas”.

Enquanto “Soul” é pura reflexão, “Luca” é pura diversão. A história, concisa, conecta o público de qualquer idade com os personagens calorosos e divertidos. A temática contemporânea de inclusão e diferenças sociais é pincelada de forma sutil, mas que fundamenta toda a trajetória dos eventos que acontecem na animação. Não há profundidade emocional ou intelectual como em animações anteriores da Pixar, mas o filme não deixa de provocar certo impacto e reflexão a quem assiste. “Luca “não é inovador e nem precisa ser. A junção dos personagens, qualidade técnica, cenário, trilha e todos os elementos da animação fica bem evidente que os realizadores depositaram todo a sua dedicação no filme.

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