Má Educação é um filme sobre um assunto do qual nós, brasileiros, conhecemos bem: desvio de dinheiro público. Este telefilme da HBO dirigido por Cory Finley e estrelado pelos astros Hugh Jackman (“Logan“) e Allison Janney (“Eu, Tonya”) é baseado na história real do maior escândalo de desvio de recursos da educação da história dos Estados Unidos, descoberto no começo dos anos 2000. Nem sempre vemos o cinema ou a TV norte-americanos abordarem esse tipo de assunto, portanto é refrescante ver como certas coisas, no caso a corrupção, acabam sendo mesmo universais…

A história se passa na escola Roslyn, no distrito de Nova York. No começo do filme, tudo é festa: a escola foi recém-avaliada como a quarta melhor do país no ranking das escolas públicas e o índice de entrada de alunos da Roslyn em grandes universidades está batendo recordes. O diretor da escola, Frank Tassone (Jackman), não poderia estar mais feliz. Querido por pais e alunos, ele é a face de um projeto educacional bem-sucedido. Seu braço direito é a sua amiga Pam Gluckin (Janney), a superintendente que administra as finanças da instituição. O objetivo de ambos é tornar Roslyn a número 1 do ranking. Mas… quando começam a descobrir uns gastos estranhos no cartão de crédito da escola, feitos por Pam, tem início a descoberta de um grande escândalo motivado pela boa e velha ganância e por indivíduos que têm segredos a esconder…

As melhores razões para se assistir a Má Educação são mesmo as atuações de Janney e Jackman. Nenhum dos dois interpreta seus personagens como vilões, e é um mérito do roteiro não caracterizá-los assim. Janney, como sempre, cria uma personagem com energia e um lado até divertido, no inicio da trama. E Jackman compõe uma figura definida pela aparência, com seus ternos impecáveis e cabelo sempre arrumado, mas que esconde algo. É incrível como, só com um sorriso, o ator nos leva a desconfiar de Frank. Apesar do charme, sabemos instantaneamente que há algo errado com ele, o que cria a tensão inicial da narrativa. O Frank Tassone é realmente mais uma interessantíssima criação de Jackman e um dos seus melhores trabalhos nas telas.

Além dos dois astros, a jovem Geraldine Viswanathan também se destaca como a aluna da escola que aos poucos desvenda o escândalo – um dos aspectos mais curiosos da história real foi o fato dela ter sido denunciada inicialmente não por um grande veículo da imprensa, mas pelo pequeno jornal escolar.

DRAMA MORNO

O jovem cineasta Finley, revelado pela interessante comédia indie irônica Puro-Sangue (2018), conduz Má Educação também com toques de sátira, mas sem grandes lances criativos na direção. A não ser pela fotografia inteligente de Lyle Vincent, que geralmente ilumina todas as cenas com uma luz dura, o que ajuda a noção do filme de expor aquilo que está escondido, não há muito a se destacar em Má Educação pela parte técnica.

E esse acaba sendo o problema do filme. Apesar dos bons trabalhos dos atores, falta a Má Educação um pulso mais firme para fazer essa história realmente alçar voo. A limitação maior do filme é mesmo o seu enfoque: ele acaba prestando mais atenção no escândalo em si, e menos nas pessoas por trás deles. Nunca mergulhamos de verdade no Frank ou na Pam, a ponto de compreendermos realmente porque faziam as coisas. Acabamos sem um estudo de personagens de verdade, pois, ao longo do filme temos apenas pistas. Isso até serve, mas um pouco mais de profundidade faz falta. E a condução de Finley é morna: apesar de ter momentos de humor, o filme nem é tão forte nesse quesito. O humor não é tão engraçado, e nem o drama é tão forte; como resultado, o filme fica num meio-termo.

A história é muito interessante, mas o filme nem sempre desperta tanto interesse por parte do espectador. Na maior parte de Má Educação só acompanhamos o show, especialmente de Jackman, e isso serve para nos entreter. Talvez para nós, brasileiros, haja um elemento de diversão a mais, quando percebemos que essa história poderia perfeitamente acontecer aqui. Aliás, com certeza já aconteceu. Ou está acontecendo.

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.

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