Mulher e homem se conhecem. Ela fica grávida. Sozinha. Na maternidade, conhece outra mulher, bem mais jovem. Também sozinha. As duas têm suas filhas no mesmo dia. Praticamente sozinhas. Esse acontecimento muda suas trajetórias, e não apenas porque agora elas são responsáveis por novas vidas. O novo filme de Pedro Almodóvar, “Mães Paralelas”, grita desde o título pelo matriarcado, sempre significativo na filmografia do espanhol, mas é na solidão dessas mães que reside o brilhantismo dessa obra, a primeira do cineasta a ser lançada na Netflix. 

O melodrama provocador que virou marca de Almodóvar chega aqui pronto para os vários questionamentos do espectador. Não é exatamente um pedido para que seja tomado partido por um ou outro lado, mas um verdadeiro divã para que suas protagonistas possam ser ouvidas e vistas. 

JANIS E LEDA: RETRATOS DA MATERNIDADE 


No centro disso tudo, temos Janis. Penélope Cruz está visceral na pele dessa fotógrafa que quer viver a maternidade e, ao mesmo tempo, investigar as raízes de seu passado. A câmera de Almodóvar a venera e isso fica explícito em cenas como as que está na frente do computador, invadindo nossa tela com closes invasivos e que desconcertam quem assiste ao filme.
 

Janis tem o olhar aguçado e é por esse olhar que ela percebe tudo ao seu redor. É inevitável não pensar em outro filme recente sobre esses temas, “A Filha Perdida”, que também saiu na Netflix. Assim como a Leda de Olivia Colman, a personagem de Cruz observa e se permite, mas também tem seu mundo tomado por algo que não está sob seu controle. 

MESTRE DOS CONFLITOS HUMANOS 

Contudo, a lembrança do filme de Maggie Gyllenhaal veio graças a outra personagem, que tem quase a mesma idade que a vivida por Colman e também é vítima das pressões sociais para que viva a maternidade compulsória. A diferença é que aqui vemos os dois lados dessa moeda e como eles reverberam em Janis, que é colocada nesse conflito como uma intrusa bem-vinda. 

Almodóvar segue um mestre dos conflitos humanos. Com “Mães Paralelas”, sua habitual brincadeira com a linguagem do cinema é eficiente, com uso de fade outs e uma trilha por vezes pesada, ao ponto de que consegue sugerir elipses e conectar personagens de forma gradativa, mas sem perder o impacto. Janis é uma mulher em uma missão, e o filme nos leva a cada passo dela, mas é justamente nos acidentes de percurso (a gravidez, o encontro com Ana, a descoberta que faz) que sua história se enriquece. Ela tem raízes, mas também pode ser sozinha. Ela tem passado, mas também pode inventar um novo futuro. 

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