Sam Levinson se empolgou. Após dois filmes pouco badalados – “Bastidores de um Casamento” (2011) e “País da Violência” (2018) – o filho de Barry Levinson (“Rain Man”) alcançou o sucesso de público e crítica com “Euphoria”, na HBO. Do auge da maturidade de seus 36 anos, o diretor pensou estar pronto para refletir de forma ácida sobre a indústria e a crítica do cinema, relacionamentos abusivos, ego, drama com drogas e o que aparecesse pela frente. Por fim, por que não realizar este projeto superando todos os desafios impostos pela pandemia da COVID-19, logo na primeira onda, como uma forma de resistência da arte?
Apesar da execução aparentemente minimalista – apenas dois atores contracenando em uma trama filmada em preto e branco, ambientada em um único local e concentrada nos diálogos – “Malcolm & Marie” se vê dominada pelo ego de seu diretor/roteirista. Isso chega a um ponto que eclipsa os próprios personagens em uma das produções mais pedantes e histéricas realizadas no cinema americano nos últimos anos. De fazer corar Alejandro González Iñarritu.
Pior que “Malcolm & Marie” até começa bem ao pontuar as bases de sua trama: o casal vivido por um diretor de cinema (John David Washington) e uma atriz (Zendaya) chegam em uma bela casa alugada pela distribuidora após a sessão do aguardado novo filme dele. A expectativa é pelas primeiras críticas a serem divulgadas pela imprensa. Porém, enquanto Malcolm está uma pilha de nervos e euforia (rá), Marie se mostra em outra sintonia, levemente decepcionada. O motivo? Não ter sido citada no discurso de agradecimento do namorado, sendo que boa parte da história do longa é baseada na trajetória dela.
A produção disponível na Netflix bebe diretamente na fonte de “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?”, obra-prima de Mike Nichols com atuações sem freios de Elizabeth Taylor e Richard Burton, de 1966. Da própria escolha do preto e branco à casa isolada passando pelos ataques em formas de diálogos cruéis feitos para machucar um ao outro até o álcool sendo um impulsionador do caos para despertar amarguras e feridas não cicatrizadas de anos de relacionamento. Se Washington assume a postura de metralhadora giratória falando sem parar o que vem na cabeça, Zendaya faz um contraponto interessante ao ser mais observadora, deixando implícito através do silêncio e de um simples olhar de tédio uma faceta do seu companheiro: o egocentrismo.
CHILIQUES ÉPICO
Aqui, “Malcolm & Marie” começa a se diferenciar da sua inspiração, afinal, ainda que odiosos, os personagens de Taylor e Burton eram sedutoramente fascinantes pela inteligência de ambos, sendo perceptível que, apesar de todo o sadismo, os dois reconheciam e admiravam isso um no outro. Já Sam Levinson passa longe disso ao tornar Malcolm um simples idiota egoísta, mimado, focado apenas em si e disposto a atacar Marie das formas mais baixas possíveis, contrapondo – sem sucesso – com breves momentos de ternura e fragilidade. A postura mais sóbria, racional e comedida dela amplificam este contraste, servindo mais como um retrato de um relacionamento abusivo dos mais vis do que um duelo psicológico minimamente interessante.
A situação piora ainda mais quando Levinson abre parênteses nesta história para tecer críticas das mais diversas ao mundo do cinema. Há, sem dúvidas, pontos de vistas interessantes como a desnecessária busca por explicações e significados como se uma obra tivesse que dar respostas a tudo ou os clichês da crítica. Porém, o tom sempre acima do personagem de Malcolm e a arrogância de quem deseja mirar em tudo e todos sobre qualquer assunto torna tudo pedante. Fico imaginando os tão citados e Spike Lee ou Barry Jenkins assistindo “Malcolm & Marie” escutando indagações e indignações sobre cinema político, entretenimento e a situação do negro na indústria feita de forma tão pobre e superficial como Levinson propõe.
O chilique do personagem de Washington aos berros tira qualquer um do sério (Zendaya batendo a perna no sofá sem paciência sintetiza bem a reação do público) e vira ápice desta egotrip de um rapaz em início da carreira se achando o dono do mundo e sábio mais do que realmente é. E não há fotografia em preto e branco ou um par de atores lindos e talentosos muito menos uma trilha de primeira capaz de esconder isso.