Pode soar como uma frase tirada diretamente de um livro de mindfulness (técnica de atenção plena), mas de uma forma ou de outra, a maioria das experiências de uma pessoa é mediada pelo corpo. Conduzido desta forma de maneira poética, “Memories of My Body”, de Garin Nugroho, é uma reflexão sobre uma existência vivida em plenitude – explorando o desejo, procurando o conhecimento e abraçando o intangível em um mundo totalmente material. 

O filme – selecionado como parte da seção Open Doors do Festival de Cinema de Locarno deste ano – é um amadurecimento vagamente baseado na vida do dançarino indonésio Rianto, que aparece no filme como narrador. Suas aparições servem como um dispositivo de enquadramento, marcando quatro contos de descoberta e crescimento ocorridos em diferentes épocas. 

A contraparte cinematográfica de Rianto se chama Juno e “Memories of My Body” o acompanha enquanto ele passa de uma criança de uma comunidade rural a um artista fascinante que atrapalha uma eleição local. Abandonando a tradicional abordagem biográfica, o roteiro – escrito também por Nugroho – está mais preocupado com o aspecto formativo das experiências do menino do que com a obediência a uma cronologia regular, usando elipses e desvios estilísticos conforme achar apropriado. 

‘O DESTINO VIVE NA GRAÇA DO SEU CORPO’ 

A partir do pôster de David Bowie – o padroeiro da transformação da cultura pop – que se vê no início do filme, a jornada do protagonista é um processo de assimilação e mudança, em que tudo o que é vivido se torna um conhecimento transformador. Logo na primeira história, em que descobre quais galinhas devem botar ovos por seus dedos, ele percebe a importância do corpo nesse processo, que o leva ao Lengger – uma antiga dança tradicional indonesiana. 

À medida que a técnica de Lengger de Juno se expande, “Memories of My Body” reforça a ideia de que tudo é dança, no sentido de que é uma forma de movimento vivida pelo corpo. Porque o dançarino vê isso e pode adquirir habilidades facilmente e elas permitem que ele avance. 

Sua visão é capaz de medir as pessoas sem tocá-las. Seu toque o torna um costureiro habilidoso. Sua conexão com os elementos o torna desejável tanto por políticos quanto por feiticeiros. No meio de tudo isso, ele absorve tudo: se apaixona, é abandonado, encontra sua verdadeira vocação, perde sua família, perambula pelo país e faz muito sexo. 

Em algum momento, o narrador diz que “o destino vive na graça do seu corpo” e essa afirmação resume muito bem o filme. Em seu abraço desavergonhado da fisicalidade que conecta a alma humana ao mundo que a rodeia, “Memories of My Body” sugere uma realidade onde a linha que separa esses dois é mais tênue – e nem mesmo mil livros de mindfulness vão tirar essa ideia de sua beleza. 

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