Ao pensarmos na figura do Pajé, o senso comum aponta diretamente à representação massificada nas narrativas do festival folclórico de Parintins; se muito, imaginamos a figura de um indígena em idade avançada, envolto em trajes tidos como tradicionais. E para expandir esse imaginário representativo, há filmes como o curta paraense “Meus Santos saúdam teus Santos”, de Rodrigo Antonio. 

Nele, acompanhamos a vivência do diretor na Casa de Missão e Caridade Santo Antônio no município de Soure, na Ilha do Marajó, terra de seus ancestrais. E é ali que ele conhece a pajé Roxita e toma consciência de ter guias espirituais de herança, sendo iniciado na pajelança cabocla marajoara. 

O curta, então, mostra um pouco das práticas e crenças xamanísticas da região, cujas raízes remontam a uma mescla das religiosidades indígena, africana e católica. O foco, porém, finca-se na subjetividade dessa experiência, com longos offs que criam um diálogo entre passado e presente, entre o domínio e a iniciação à pajelança. 

Surpresa e dúvidas 

É justamente neste último ponto que o curta cresce. Temos nele a voz de Rodrigo em um misto de surpresa (não pelo fato de portar um dom, mas de não ter aceitado antes o que estava claro desde muito cedo) e dúvidas (de como trilhar tal caminho corretamente). Temos também aí uma carta de amor à avó, que, em muitos aspectos, preparou Rodrigo para aquele momento. Porém, a figura orientadora central é a Pajé Roxita, novamente trazendo o paralelo entre passado (ela como sinônimo de experiência) e presente (Rodrigo representando algo em processo). 

Essa confluência acompanha toda a extensão de “Meus Santos saúdam teus Santos” e está presente também em termos imagéticos. É o que vemos, por exemplo, quando Rodrigo explora fotografias antigas, conferindo-lhe o seu olhar hoje, e quando revisita locais da ilha.  

A fotografia de Luana Peixe e Rodrigo José, aliada à colorização de João Gabriel Riveres, trabalha belamente o branco em contraste com as cores da natureza. Isso possibilita ao curta um paralelo sutil com outro filme que também aborda o apreço às raízes sincréticas do povo de uma ilha: “Filhas do pó”, de Julie Dash.  

Seguir a maré 

A montagem de Eduardo Resing, por sua vez, garante fina coerência ao movimento de vai e vem de imagens e sentimentos, tornando a fruição do curta muito fluida. Fazendo um paralelo com uma fala do próprio Rodrigo, que reflete sobre o respeito aos fluxos de sua experiência de iniciação, é preciso acompanhar esse movimento de maré, em que por vezes as coisas estão muito claras, e por vezes, muito obscuras, conferindo sentido a isso. De certa maneira, as escolhas de montagem abraçam essa filosofia.  

O som, porém, quebra um pouco a fluidez de “Meus Santos saúdam teus Santos”. Os offs longos seguem a cartilha dos documentários de Petra Costa, mas sem a mesma naturalidade na locução, o que tira um pouco do intimismo claramente objetivado no belo texto. A maior duração dos offs termina também por ocupar espaços de respiro do som ambiente, e quanto este é privilegiado, as imagens ganham maior potência. Porém, tal ponto não é nada que chegue a prejudicar o curta de maneira geral (se o fosse, o filme estaria perdido, já que boa parte dele conta com locução). 

Ao fim, fica de “Meus Santos saúdam teus Santos” a sensação de ser um abraço em forma de filme. Um abraço à família, às raízes, à Marajó. É também um aceno a tempos vindouros, com outra visão de mundo – como bem coloca Rodrigo, seu “desaprender a ver” está prestes a ser revertido.