Se eu acreditasse em astrologia, diria que o Brasil está passando por um inferno astral. E, nesses momentos, nada como dar umas risadas descomprometidas para aliviar a tensão. Essa é a proposta de Ricardo Bittencourt (“Real – O Plano por Trás da História”) em “Missão Cupido”, comédia nacional que investe na cultura pop e em um elenco conhecido para contar um romance sobrenatural.
A trama acompanha Miguel (Lucas Salles), um jovem que morre e se transforma em um anjo da guarda. Ele é incumbido de cuidar de Rita (Isabella Santoni), mas joga uma praga nela que, entre outras coisas, envolve não se apaixonar. Anos depois, ele precisa reverter a situação, mas para isso terá que duelar com a Morte (Agatha Moreira). Para contar essa história, Bittencourt – que também assina o roteiro – utiliza referências da cultura pop como citações diretas a filmes, vinhetas aceleradas, cenas de duelos como HQs e outros.
Uma estética de outro mundo
Tanto a paleta de cores utilizada como as piadas politicamente incorretas nos transpõem para um lugar no tempo anterior aos anos 2010, parte disso se deve a cenografia de Suzana Azevedo (“Soundtrack“, “Não Devore Meu Coração“) e a cinematografia de Fabio Burtin (“Ensaio Sobre a Cegueira“).
Há o uso de fumaça, luzes que dão um tom psicodélico e infernal – especialmente as que acompanham a Morte –, reforçando o conceito de sobrenatural adolescente tupiniquim. Durante a trama, ainda é possível observar as diversas citações visuais como a Kombi de “Pequena Miss Sunshine” (2006) e a espada utilizada em “Kill Bill” (2003).
SEM COMPROMISSO DE SER SÉRIO
Essa abordagem dá certo em grande parte pela despretensão do filme. Temos uma trama já popularizada em produções clássicas como “Asas do Desejo” (1987) e seu remake “Cidade dos Anjos” (1998) com um toque do humor brasileiro visto na série da Netflix “Ninguém Tá Olhando” (2019). Não há preocupação em aprofundar os personagens e nem oferecer um olhar diferenciado sob a relação dos anjos com os humanos, mas isso é próprio da narrativa que se deleita em rir de si mesma e colocar seu elenco em situações ridículas. Que o diga a performance exagerada de Agatha Moreira, acostumada a brilhar em papéis dramáticos na televisão.
O roteiro procura introduzir um romance LGBTQI+, no entanto, o desenvolvimento do triângulo amoroso fica a desejar e prejudica principalmente o casal formado pela Morte e Rita. A sensação que passa é de levantar uma bandeira de inclusão sem sair dos moldes heteronormativos, mantendo o tradicional final feliz do amor idealizado. O que é uma pena para a narrativa que artificialmente parece ser progressista, mas aposta em seguir no feijão com arroz sem dar embasamento realmente para nenhuma das duas opções românticas. Nesse quesito, por mais engraçado que alguns momentos soem, “Missão Cupido” não consegue se estabelecer como uma comédia romântica; visto a falta de sincronia e empatia entre os casais formados e a ausência de aprofundamento dos personagens.
“Missão Cupido” é uma produção para assistir sem compromisso. Apesar da falta de profundidade aos personagens, o tom descomprometido que o filme assume nos faz esquecer, pelo menos, durante os 92 minutos de duração, o inferno astral que estacionamos e só por isso já vale a pena.