“Mother Schmuckers” é um filme que desafia palavras, que dirá críticas. A produção dos irmãos Harpo e Lenny Guit é uma comédia de erros que envolve drogas, violência e todo o tipo de perversão sexual. Exibido nas mostras de meia-noite de Sundance, onde estreou, e do Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, ele é hilário, mal-educado e bastante picante.
Maxi Delmelle e Lenny Guit interpretam Isaachar e Zabulon, dois irmãos que levam uma vida de inércia e miséria nos recantos mais dilapidados de Bruxelas, enquanto a mãe, a prostituta Cashmere (Claire Bodson), não lhes dá muita importância, preferindo paparicar o cachorro da família, Jacques Janvier (algo como João Janeiro, em português). Quando eles o perdem, a mãe dá 24 horas aos rebentos para encontrá-lo ou os expulsará de casa.
LA VIDA LOUCA
Essa premissa poderia vir direto da obra de outro par de irmãos baseados na Bélgica cuja obra foca na vida das pessoas à margem – os Dardennes – mas, a última coisa na cabeça dos Guit é fazer um drama realista cheio de função social. O que eles querem é seguir a vida louca de Isaachar e Zabulon enquanto brincam com armas, se infiltram em um clube de zoofilia e tentam gravar um videoclipe über-esquisito com um amigo. Raios, rola coprofagia logo na primeira cena.
As peripécias dos irmãos se desdobram como uma série de vinhetas, cada uma mais demente e escatológica do que a outra. Filmada com bastante câmera na mão, como um filme caseiro, pelo diretor de fotografia Sylvestre Vannoorenberghe e editada freneticamente por Guillaume Lion e Naftule Tarraschuk, “Mother Schmuckers” pisa fundo logo na largada e não desacelera até o fim de seus 70 minutos. Que os cineastas tenham conseguido talentos como Bodson e o grande ator francês Mathieu Almeric (“O Escafandro e a Borboleta”), que aparece em uma ponta, para participar dessa sandice prova que esses artistas também precisam extravasar.
O roteiro constantemente mira no politicamente incorreto e no valor de choque; as risadas aqui dependem da tolerância do público para esse tipo de humor. O resultado parece uma atualização do cinema do diretor americano John Waters (“Pink Flamingos”): doses abundantes de anarquia e escracho, mas numa intensidade e ritmo que fazem sentido para audiências acostumadas a vídeos curtos na internet.
NADA A PERDER
Para além da loucura, há um niilismo inegável em “Mother Schmuckers”: suas personagens, ainda que sôfregas, mostram uma resistência debochada diante sua condição como quem não tem nada a perder. No afã de sobreviverem e se divertirem em meio à selvageria de suas vidas, suas ações deixam entrever a amoralidade daqueles que acreditam viver num mundo sem regras.
O difícil é o espectador conseguir se desvencilhar da ação tempo o suficiente para pensar nesses subtextos. Os irmãos Guit, aqui completamente desprovidos de sutileza, criam uma pérola do cinema podreira que está interessada demais em seu descontrole para permitir grandes reflexões. “Mother Schmuckers” é uma viagem hilária e histérica – a 200 Km/h.