Em “Ninguém Sabe que Estou Aqui”, seu longa de estreia na direção, o chileno Gaspar Antillo nos surpreende com uma bela e melancólica história sobre abusos na indústria fonográfica, sonhos não realizados e aceitação própria. Além de possuir uma narrativa bem estruturada, a produção também nos presenteia com uma atuação genial de Jorge Garcia (sim, o Hurley de “Lost”).
O filme acompanha Memo (Garcia), morador de uma remota fazenda de ovelhas no Chile que esconde sua voz do mundo. Traumatizado pela infância cercada por abusos do pai e de um produtor musical, Memo relembra o passado como “cantor fantasma” para outro artista, ao mesmo tempo, em que sonha com o reconhecimento de seu talento.
Sendo essencial o ponto de vista do protagonista para a história, a construção de Memo é impecável, justificando, inclusive, aspectos secundários como o sotaque americano do ator. Garcia consegue aguentar a perseguição da câmera durante todo o filme, a qual captura sua essência em pequenos detalhes, principalmente por se tratar de um personagem que praticamente não se comunica verbalmente. Desta forma, o espectador, assim como Memo, oscila entre as lembranças da infância musical com a realidade silenciosa de seu isolamento.
Melancolia em cada detalhe
Sem poder contar com diálogos explicativos ou prolongados, Antillo aproveita outros elementos narrativos para tornar palpável a melancolia de Memo. Assim, a direção de fotografia apresenta belos e excessivos planos contemplativos do personagem no cenário bucólico chileno e, apesar da beleza local, a vivacidade é trazida para cena apenas quando Memo sonha em se apresentar, realizando um amplo contraste entre sua vida e o que poderia ter sido uma carreira.
Com um foco bem mais específico, o diretor guarda o fôlego de Garcia para cantar revelando seu talento. A escolha da música composta por Carlos Cabezas é essencial e transparece mais sobre Memo do que qualquer outro elemento. Além de dar o nome para “Ninguém Sabe que Estou Aqui”, a canção é cantada repetidas vezes durante a trama, porém, todas possuem em comum a solidão do protagonista, mesmo em sua exibição final.
Ao final do longa, descobrimos de forma sutil que Memo buscava algo além do reconhecimento de sua voz: ele também queria ser aceito por outros, independentemente de sua aparência. Esta trama sensível e melancólica é abordada de forma eficaz em apenas 91 minutos, tornando ‘Ninguém sabe que estou aqui’ um dos favoritos de 2020 facilmente.