Jimmy Christian é um dos mais prolíficos realizadores da cena amazônica. Semelhante aos Gremlins do filme homônimo de Joe Dante da década de 80 que se reproduziam em abundância no primeiro contato com a água, Jimmy produz roteiros e curtas sempre que uma nova ideia surge a sua mente, muito próximo do mantra praticado pelo Cinema Novo de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. 

Esse estilo “faça você mesmo” do seu realizador, talvez, explique o seu cinema amazônico ser tão variado quanto imprevisível dentro da própria filmografia, indo dos documentários (“Bodó com Farinha” e “Tucandeira”) passado pelo road movie (“Opala Conexão Amazônia”) até chegar ao terror/suspense (“Covid”). 

Diria que “O Desentupidor” nova empreitada de Jimmy, é o que melhor sintetiza essa versatilidade da sua obra e que mais o aproxima do chamado “filme de gênero”, tão comum na vanguarda cinematográfica. Baseado no conto da escritora Márcia Antonelli, acompanhamos o homem por trás do ofício que dá título ao curta, Raimundo Perfumado (o escritor Marcos Ney), o profissional que limpa as fossas dos canos de uma Manaus periférica em troca de cachaça. Enquanto perambula pelos locais insólitos do bairro, Raimundo é visto pelos olhos do garoto Mario Augusto (Rhuann Gabriel) como uma figura grotesca.

Um dos maiores acertos do filme em seus 20 minutos de duração é o olhar anárquico que ele estabelece em torno da figura de Raimundo, cuja profissão remete a memória afetiva de uma Manaus dos anos 80, onde o limpador de fossa ia na casa para fazer o trabalho “sujo” de meter as mãos para limpar a merda alheia. 

Jimmy explora os espaços de exclusão para falar sobre invisibilidade social das pessoas (“a gente vê, mas não é visto” diz nosso herói em certa passagem) relegadas à margem da sociedade, taxadas a partir dos estigmas que certas profissões trazem, no caso de Raimundo, a repulsa gerada pelo odor que ele transmite, transformando quase numa figura monstruosa para o pequeno Mario Augusto, que aos poucos, passa a ter uma atração inocente pelo estranho fascínio que Perfumado exerce aos seus olhos. 

Pode-se até dizer que “O Desentupidor” é uma versão amazônica raiz no estilo hardcore de “O Homem Elefante” de David Lynch. Só que esqueça o lado intimista, poético e melancólico que o filmaço dos anos 80 apresentava ao público. No cinema de Christian existe apenas a visão anárquica e um humor politicamente incorreto que servem de espaço de reflexão para o caos e a violência urbana que a cidade de Manaus se tornou com o passar dos anos. 

É interessante os subtextos projetados pelo filme, falando sobre a banalização do preconceito e dos problemas de segurança e infraestrutura, este último refletido no saneamento básico precário cada vez pior na cidade. Não deixa de ser o próprio desnudamento da logomarca clássica “Manaus, meu ciúme” ao retratá-la dentro das desigualdades sociais, onde a dura realidade do garoto Mario precisa assimilar um ambiente caracterizado por uma fossa a céu aberto repleto de violência e preconceito. 

O trabalho de fotografia do próprio Jimmy ajuda a deixar estes aspectos no campo visual ainda mais destacáveis de serem assimilados, utilizando a sua câmera para passear sobre as locações e expor as mazelas sociais. Vale destacar também, a boa trilha sonora de Max Caracol (que interpreta um dos personagens no curta) que vai crescendo durante o filme e a ótima química entre Rhuann e Ney, com o segundo sendo o coração e alma do filme por dimensionar o seu Raimundo Perfumado entre a fragilidade emocional e o grotesco. 

Único ponto a se lamentar é o clímax final da saga de Raimundo que é apressado e impulsivo demais para um personagem construído com parcimônia e objetividade durante a sua jornada. Por fim, “O Desentupidor”, ainda que não seja o melhor trabalho de Jimmy na direção, consegue ser o mais consistente do seu cineasta em conciliar o seu filme de gênero com os olhares peculiares em torno dos aspectos da realidade amazônica. 

Se de um lado, o conto de Márcia Antonelli é quase na sua essência uma rememoração das experiências e memórias afetivas da escritora, pelo outro lado Jimmy consegue não apenas reunir estes elementos e adicioná-los ao seu cinema inquietante como também investigar uma Manaus pulsante no seu “caô” social. Acredito que enquanto escrevia esse texto, o seu realizador hiperativo já produziu um novo curta, a partir de uma ideia surgida quando observava uma imagem amazônica tomando um cafezinho.