Era uma vez… A fábula dos Três Porquinhos, uma história que visa ensinar às crianças os valores do trabalho e do esforço. Os porquinhos da história são aterrorizados pelo lobo faminto e mau, mas conseguem sobreviver porque um deles foi esforçado e industrioso o bastante para construir uma moradia resistente, e dotada de uma chaminé, claro. Já O Homem nas Trevas, o poderoso exercício de suspense e tensão do diretor Fede Alvarez, pode ser visto como uma espécie de reflexo sombrio da fábula dos três porquinhos. Em O Homem nas Trevas, o lobo mau está dentro da casa, e os porquinhos são os pobres infelizes que inventam de invadir a sua morada.

Os três porquinhos do filme são três ladrões, jovens moradores da cidade de Detroit, que foi duramente atingida pela recente crise econômica norte-americana – já nas cenas iniciais, o longa nos situa num ambiente real e expõe as motivações bem realistas dos seus personagens, que envolvem, claro, escapar da pobreza daquele lugar. Money (Daniel Zovatto), a sua namorada Rocky (Jane Levy) e Alex (Dylan Minnette) invadem casas e roubam dinheiro e utensílios. Não demora muito e escolhem seu próximo alvo, uma residência isolada num bairro dilapidado, e que é ocupada por um único residente, um homem cego e ex-militar. Aparentemente, há 300.000 dólares escondidos na sua casa. Mas ao invadirem, os três jovens logo percebem que o homem cego (Stephen Lang) não é tão indefeso quanto parece. Aliás, muito pelo contrário…

O Homem nas Trevas

Muitas histórias de suspense e terror têm motivações econômicas – os moradores de casas assombradas que não conseguem deixar seus imóveis porque não têm recursos para tal são prova disso. E muitos exercícios de tensão e terror se passam em atmosferas claustrofóbicas, enfocando personagens trancados em lugares escuros e sendo caçados por forças que querem destruí-los. Em O Homem nas Trevas ambas as coisas acontecem, e Alvarez já tinha feito um filme antes com um grupo de pessoas preso num lugar sombrio, sua refilmagem do cultuado A Morte do Demônio (2013) que, embora não tenha conseguido eclipsar o original, tinha força própria e de quebra, iniciou o relacionamento entre Alvarez e o diretor Sam Raimi, o mesmo do longa de 1982. Em O Homem nas Trevas Raimi é produtor por meio do seu selo Ghost House.

Alvarez explora com vigor e criativos planos a ambientação da casa – aliás, à noite ela é fotografada contra uma luz avermelhada que evoca lembranças do clímax de A Morte do Demônio, sensação que a presença da interessante Levy, também estrela daquele filme, só reforça. A câmera de Alvarez se detém um pouco sobre objetos que serão importantes ao longo da narrativa – um martelo, uma porta trancada – e, mais à frente, um momento de licença poética, quando a imagem se torna em preto-e-branco após todas as luzes serem apagadas, é usado para criar tensão. Assim como o design de som criativo do longa, em alguns momentos composto de inquietantes silêncios. É um filme eminentemente visual, curto, grosso e esquelético, e no qual diálogos ficam em segundo plano.

Mas a cuidadosa construção cinematográfica de O Homem nas Trevas possui um forte alicerce, a presença de Lang no papel do homem cego. Com sua cara quase de alienígena e presença imponente, Lang faz do homem cego uma figura saída de pesadelos e apropriadamente acompanhada de um cão dos infernos – o feroz rottweiller, inclusive, é protagonista de alguns dos momentos mais tensos da história. Levy e Minnette conseguem despertar a empatia do espectador, pois mesmo sendo ladrões, a punição que enfrentam durante o filme é desproporcional aos seus crimes. Mas é Lang quem ficará na memória do espectador, uma figura cinematográfica quase tão assustadora quanto Freddy Krueger e Michael Myers eram nas suas primeiras aparições nas telas. E mesmo assim, ele é tão bom no papel que convence até mesmo em momentos nos quais seu personagem revela um pouco de vulnerabilidade.

O Homem nas Trevas

Alguns desenvolvimentos da história também contribuem para deixá-lo ainda mais assustador, inclusive um cena perturbadora e com tons sexuais perto do fim que, embora não faça nenhum sentido lógico, faz sentido dentro do ponto de vista distorcido do personagem. Além disso, parece uma forma de Alvarez também seguir os passos de Raimi ao buscar um momento de choque, até comuns nos filmes de terror mais antigos, não muito diferente em espírito da cena mais chocante do A Morte do Demônio original.

Raimi também é um diretor com um forte ponto de vista moral em seus trabalhos, e a visão de Alvarez em O Homem nas Trevas se alinha com a de seu mestre. Em diversos momentos da história a ganância dos personagens, o desejo de se apoderar do dinheiro do homem cego, os coloca em maior perigo. Alguns dos personagens, no entanto, estão mais desejosos do que outros, são mais bandidos que outros, porém mesmo assim o julgamento final nas mãos do homem cego é absoluto e indiferente.  A fábula dos três porquinhos valorizava o esforço e a inteligência. Já O Homem nas Trevas parece afirmar que, apesar do esforço e da esperteza, sempre haverá consequências para os atos das pessoas. E o fato do homem cego nos fazer enxergar essa “moral da história” é a maior ironia dramática do filme. Afinal, ele pode ser ateu, mas faz os outros personagens pagarem pelos seus pecados, igual ao Deus do Velho Testamento.