2019 chegou com a promessa de ser o grande ano da década e um dos principais de todos os tempos para Hollywood. Além do potencial de enormes bilheterias, havia uma expectativa de que boas produções seriam lançadas uma atrás da outra. O resultado, porém, tem sido decepcionante: apesar dos bilhões de dólares arrecadados, somos testemunhas de uma das safras mais desinteressantes provenientes do cinemão americano. Produções incapazes de resistirem à semana de estreia nas nossas memórias.
Foi assim com “Homem-Aranha: Longe de Casa”, “Toy Story 4”, “Aladdin”, “Capitã Marvel”, “Shazam”, “Dumbo”, “Godzilla: O Rei dos Monstros” (alguém??), “M.I.B – Internacional”, “X-Men: Fênix Negra”, “Cemitério Maldito”… As exceções ficam por conta de “Vingadores: Ultimato”, “John Wick 3” e “Nós” (se é que é dá para encaixar o terror de Jordan Peele na categoria de blockbuster).
“O Rei Leão”, porém, chegou aos cinemas para superar todos os demais filmes já lançados em 2019. Trata-se de um dos projetos mais desnecessários feitos em Hollywood nos últimos anos. Não chega a ser necessariamente ruim, pois, ao se tratar de uma cópia feita com instrumentos mais modernos, somente se mostra sem personalidade suficiente para sair da linha do medíocre.
EFEITOS VISUAIS SEM EXPRESSÃO
Duas justificativas para a existência de “O Rei Leão” são apontadas pela Disney e os defensores de qualquer oba-oba que os torne ‘cools’ nas redes sociais: a evolução tecnológica e a nostalgia. Quanto ao primeiro aspecto, ele se revela uma via de mão dupla: sim, temos um visual arrebatador. Sim, irá ganhar o Oscar de Efeitos Visuais. Sim, tudo soa tão real que nem parece ter sido criado por computação gráfica. Sim, é possível ver cada pelinho dos leões e do Pumba se movimentando.
Mas, ora, com todo o respeito ao brilhante trabalho da equipe desta área, não é o mesmo dito a cada três meses com a chegada de um novo blockbuster de orçamento ultra-milionário? Pegando apenas de 2014 para cá, já vi o mesmo ser dito com “Transformers”, “O Hobbit”, “Star Wars”, “Mogli” (dirigido, aliás, pelo mesmo Jon Favreau), “Planeta dos Macacos”, “Doutor Estranho”, “Jumanji”, “Thor Ragnarok”, “Jogador Número 1”, “Aquaman”…
Mais importante do que ficar impressionado com o ‘melhor novo efeito especial de todos os tempos’, é saber se essas técnicas servem para o filme, funcionam para a narrativa. E, aqui, infelizmente, a resposta é negativa. Se a proposta de realismo é alcançada com todos os méritos, as expressões dos personagens ficam muito, muito longe de simbolizar os sentimentos necessários para envolver o público neste “O Rei Leão”.
Se ‘os olhos são a janela para a alma’, como dissera Edgar Allan Poe, os efeitos de “O Rei Leão” ressentem-se justamente disso. Apesar de extremamente bem-feitos, os olhares dos personagens não nos dizem absolutamente nada; são opacos, vazios, sem vida. Nada mais claro do que isso é notar como Simba observa o corpo morto do pai Mufasa; a expressão é quase idêntica ao visto em outros momentos menos intensos do filme. Com isso, perde-se a ironia deliciosamente odiável de Scar, a loucura de Timão e Pumba, a sagacidade das hienas, a vivacidade do próprio Simba necessária para a importante quebra da postura do protagonista na segunda metade da trama. O roteiro de Jeff Nathanson ainda se mostra incapaz de ampliar os dramas ou explorar mais os personagens; é tudo igual à animação.
Sobra para a dublagem, tanto a original quanto a brasileira, compensarem isso, o que causa um choque com o que está sendo visto em tela. Afinal de contas, por mais que a voz queira dizer determinada coisa, o visual não entrega o que está sendo visto, gerando incômodo no espectador mais atento.
A PRAGA NOSTÁLGICA
E por que digo espectador mais atento?
A nova versão de “O Rei Leão” é um sucesso não apenas pelo marketing absurdo feito pela Disney e tradicional de qualquer blockbuster de Hollywood. Acima de tudo, há o elemento da nostalgia, esse sentimento cada vez mais e mais lucrativo.
Neste momento do mundo em que somos rodeados de notícias negativas na política, economia e na sociedade de modo geral, em que não sabemos ainda entender como nos comportar diante do ‘monstro’ chamado redes sociais e vivemos em nossas constantes crises pessoais, olhar para o passado e recordar o que seriam tempos bons e sem problemas, é uma dádiva e um alívio. Por isso, obras apenas razoáveis como “Stranger Things” ou muito fracas como “Jurassic World” conseguem ir além do que merecem.
“O Rei Leão”, porém, exagera na nostalgia ao praticamente copiar e colar os elementos da animação original. São os mesmos planos, os mesmos diálogos, as mesmas músicas… é tudo tão igual que você se pergunta qual era o sentido de refazer. As poucas cenas novas chegam a ser constrangedoras, pois, preenchem lacunas que nem eram necessárias do longa original e ainda geram o constrangedor momento “Forrest Gump” com direito a uma bola de cocô.
Não que desse para esperar muito coisa de Jon Favreau, talvez, o cara mais legal e amigo de todos em Hollywood, mas, um diretor há muito tempo medíocre, sendo salvo sempre por seus atores. Robert Downey Jr. que o diga nos dois primeiros “Homem de Ferro”.
Aqui em “O Rei Leão”, a falta de ritmo e emoção na condução da história conseguem minimizar até mesmo trechos inesquecíveis como a sequência inicial e a corrida no desfiladeiro. Tudo passa tão rápido a ponto de parecer um compacto dos melhores momentos.
A sobrevivência e o sucesso nas bilheterias desta nova versão de “O Rei Leão” dependem totalmente da memória afetiva relacionada à animação. Não duvido que a nova geração, que possa não ter visto o original de 1994, fique sem entender porque os pais gostam tanto desta história.
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gratidão!