De cara, uma cena de arrepiar: centenas de milhares de homens, qual formigas, sobre uma formação rochosa diagonal, rude, aberta a suor e sangue no planalto de Serra Pelada, no Pará. A confissão de espanto do diretor Wim Wenders é a senha para os diversos momentos de perplexidade oferecidos pelas imagens de O Sal da Terra, documentário assinado a quatro mãos pelo mestre alemão e o filho do homem, Juliano Ribeiro Salgado.

O homem, no caso, é o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, talvez o mais importante fotorrepórter já surgido no país, e que continua, aos 71 anos, em plena atividade. Alternando a observação do artista com depoimentos do próprio, o filme abre uma janela preciosa para se conhecer o ser humano por trás das imagens, que mesmo décadas depois conservam intacto o poder de comover e perturbar.

Sem inovações formais, O Sal da Terra se limita a deixar seu objeto falar – tanto melhor para nós, porque Salgado tem histórias quase tão interessantes quanto suas imagens. Vemos o início, quando o então economista e candidato a banqueiro, exilado em Paris por conta de suas simpatias esquerdistas durante o regime militar, abandona a carreira para percorrer, com uma câmera, os povoados mais remotos da América do Sul. Foi a série Outras Américas, que mostrou sua singular capacidade de atrair a empatia dos fotografados. Estabelecido no meio, Sebastião percorre então o Nordeste brasileiro, e seu registro da mortalidade infantil atiça a vontade de captar as agruras dos marginalizados ao redor do mundo.

Um ponto sensível, nevrálgico, no trabalho do artista, motivo de polêmica tanto pela beleza terrível de suas imagens quanto por uma possível “estetização” da miséria, a visão de Salgado sobre a África o torna mundialmente respeitado. É, porém, o momento mais difícil na vida do fotógrafo, atormentado pelo testemunho incessante da brutalidade e indiferença humanas. Finalmente, a reinvenção – e a serenidade – através de Gênesis, projeto no qual Salgado busca retratar a natureza ainda intocada pela ação humana.

São sempre imagens ricas, flagrantes que fixam no tempo toda uma narrativa, seja de esplendor ou de horror, e os relatos de Sebastião acrescentam uma nova dimensão humana a elas. Mas O Sal da Terra se ressente de ir mais fundo nas contradições do artista, na tensão sempre presente entre o registro “cru” dos fatos e o tratamento mais estetizado, “belo”, mesmo se tratando de um massacre numa rodovia africana. É um ponto em que o filme fica devendo, assim como na falta de uma maior participação de Lélia, esposa do fotógrafo e colaboradora ativa em todas as realizações de Salgado.

São, porém, como observações mesquinhas diante do espetáculo humano, mesmo que às vezes horrível, de suas fotos. Poder vê-las na tela larga do cinema – em Manaus, onde o filme milagrosamente aportou – e, mais ainda, ser guiado por elas pelo dono desse olhar único, empático, extraordinário, é uma experiência dessas que fica para a vida. Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado conseguiram nos proporcionar isso, o que já os torna dignos de muitos méritos.