Entrevistado pelo Cine Set durante uma visita da comédia ao set da futura comédia “Vudu Delivery”, o diretor Alain Fresnot (“Ed Mort”) foi certeiro sobre a estratégia dos streamings investirem no cinema de ação em vez da comédia no Brasil. Segundo ele, a ação traz elementos universais como mocinhos, bandidos e sequências de perseguição mais fáceis de reproduzir, enquanto a comédia apresenta particularidades ligadas à cultura de um país. 

Selo da The Walt Disney Company para o cinema brasileiro e séries da América Latina, o Star Original Productions lançou “O Sequestro do Voo 375” no fim de 2023. O filme segue o padrão hollywoodiano do gênero com capricho técnico a partir de uma reconstrução de época próxima à perfeição e momentos de tirar o fôlego possível de ser comercializado para além do Brasil. O mérito maior, entretanto, está em conseguir fugir do maniqueísmo puro a partir de um duelo entre dois ricos personagens. 

RIQUEZA HISTÓRICA 

Em um país de memória curta, os roteiristas Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque fazem, logo no início do filme, uma necessária e preciosa recordação do que era aquele Brasil de 1988 em uma grande tensão sobre a retomada do poder aos civis e diante de uma inflação superior aos 1000%.  

A contextualização histórica fica completa quando “O Sequestro do Voo 375” transporta o espectador para os anos 1980 graças à direção de arte assinada por Fernanda Cuenca: o aeroporto com as placas da Transbrasil e Vasp, as maquetes de brinquedos do aeroporto de Confins, a revista Placar, os jornais da época, o largo espaço entre as fileiras (sim, isso existiu) e o fumo liberado em pleno voo (sim, isso também existiu) mostram o cuidado impecável da produção. Citações à novela “Vale Tudo” e a trilha com clássicos do Rock Brasil da década de 1980 completam o jogo nostálgico. 

Com o espectador fisgado, “O Sequestro do Voo 375” não decepciona nas cenas de ação. Para quem é preconceituoso com a produção nacional, o filme é um tapa na cara ao trazer sequências de tirar o fôlego. Emulando Paul Greengrass no excelente “Voo 93”, o diretor Marcus Baldini mantém a câmera sempre próxima aos protagonistas, aumentando a natural sensação de claustrofobia de que não há saída para todos eles.  

O dinamismo da montagem confere urgência nas ações ao alternar estes planos com outros de detalhe de algum equipamento apitando ou um botão acionando bebe na fonte de blockbusters como “Top Gun”. Isso alcança o ápice na manobra inacreditável feita pelo piloto Fernando Murilo (Danilo Grangheia), capaz de deixar até mesmo aquele mais acostumado a viajar com o coração na mão. 

DINÂMICA INTELIGENTE 

Apesar de ser uma saída fácil em casos como esse, chama a atenção como “O Sequestro do Voo 375” evita a simplificação hollywoodiana ao não retratar Nonato (Jorge Paz, muito bem) como um bandido frio e sem coração. O longa apresenta o sequestrador como uma pessoa consciente da loucura que está fazendo – “não tem essa de vai dar tudo certo”, diz ele de forma trágica – e, mesmo assim, disposto a seguir até o fim diante do desespero pela pobreza e fome, algo nada diferente da realidade brasileira quase 40 anos depois do caso. Testemunhar a ridícula proposta de oferta de uma cesta básica como a solução para o impasse mostra como o descaso revoltante à uma parcela da sociedade leva ao ódio capaz de atitudes tão drásticas. 

Apesar deste contexto, Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque não vitimizam Nonato, sempre deixando claro sobre a gravidade do crime realizado ali. E são as alternâncias do sequestrador que ditam o ritmo da produção. Neste sentido, o contraponto trazido pelo piloto acaba funcionando como a dinâmica definidora de “O Sequestro do Voo 375”. Se o arquétipo do salvador de todos ali está intrínseco ao caso, por outro lado, nota-se o medo e a insegurança a cada segundo trazido pela excelente atuação de Grangheia. A irritação dele com os equívocos dos negociadores ou a angústia de não poder atender ao chamado para evitar o disparo fatal refletem nossa tensão do lado de cá. 

Neste jogo interessante entre Nonato e Fernando dentro do cockpit da aeronave, “O Sequestro do Voo 375” peca naquilo que aconteça em solo. Inicialmente, a tensão política entre o governo Sarney e os militares sobre a resolução do caso traz um caráter simbólico e histórico relevante, mas, que, vai ficando em segundo plano com o passar do tempo. Talvez seja o trauma de filmes como “Polícia Federal” e afins dos últimos anos, mas, o tom quase perfeito dado às forças de segurança soa mais como wannabe americano do que o retrato mais próximo à cultura brasileira – a sala do Cindacta, por exemplo, traz ecos de “A Caçada ao Outubro Vermelho”. 

São pedágios naturais de uma obra com carinha de Hollywood, mas, que, de modo geral, adapta-se bem ao país. “O Sequestro do Voo 375” ganhou menos destaque do que merecia nos cinemas, mas, deve-se recuperar tranquilamente no streaming. Pode ser um caminho interessante para a produção nacional mirando atingir grandes públicos, mas, sem querer achar que é a única forma para tal.