Produção cubana canadense estrelada pelo brasileiro Rodrigo Santoro (“Bicho de Sete cabeças”), O Tradutor é baseado em uma história real de um professor universitário que viu sua vida pessoal e profissional se transformar em Cuba no final dos anos 1980.

Malin (Santoro) é um professor de literatura russa que tem uma vida aparentemente é perfeita. Com uma rotina que beneficia o bem-estar da família, ele consegue conciliar junto a esposa os afazeres domésticos e a educação do filho, além do trabalho na Universidade. Ao comparecer a chegada do líder soviético, Mikhail Gorbachev na ilha com a recepção de Fidel Castro, mal podia adivinhar que viriam também mudanças para si.

A começar pela paralisação de suas aulas e a transferência para trabalhar como tradutor em um hospital. O local está lotado de crianças vítimas do desastre nuclear de Chernobyl se tratando do câncer causado pela radiação, e os médicos acabam precisando de ajuda na comunicação com os familiares dos pequenos. O governo providencia que os professores sejam responsáveis por esse trabalho até a segunda ordem. Em seguida, Malin recebe a notícia de que sua esposa Isona (Yoandra Suarez) está grávida e, por fim, regime cubano enfrenta uma crise que pode mudar os rumos do país e atingirá diretamente a vida dos cidadãos cubanos.

É interessante notar como os diretores Rodrigo e Sebastian Borriuso trabalham o roteiro escrito pela estreante Lindsay Gossling de maneira meticulosa para transmitir a transformação da vida do protagonista e do país. A Cuba do início de “O Tradutor” é ensolarada, apresenta solidez e fartura para o povo. As idas de Malin ao posto de gasolina com a atendente amorosa e o seu passeio pelas prateleiras do supermercado cheios de alimentos além de fortalecer essa ideia, estabelecem a satisfação de seu personagem com a vida que leva.

A partir do momento que entram em cena o hospital, seguido da queda do Muro de Berlim, vemos o personagem e o país mergulharem em sombras, e a luz do sol se tornar melancólica, as prateleiras ficam vazias e o posto de gasolina um caos. Apesar de ser filmado de maneira competente, esse didatismo acaba por prejudicar o filme ao não ser feito de maneira sutil. A cena em que o personagem cai em um buraco é a consolidação desta sensação.

ELENCO DESTACA-SE EM MEIO AOS PROBLEMAS

A construção dramática no hospital é prejudicada justamente por isso. Por ser algo extremamente delicado, os diálogos só não se perdem na exposição por conta da construção dramática e da dinâmica composta por Santoro e Maricel Alvarez (Biutiful) – ótima no filme – que interpreta a enfermeira Gladys e o menino Nikita Seminov que faz o paciente Alexi. Mas, os diretores não resistem ao mostrar uma criança enferma sorrindo, para logo em seguida exibir a mesma em uma situação dramática.

O trabalho de Rodrigo Santoro é digno de nota pelo ator demonstrar além do domínio do espanhol, ainda falar em russo. A transformação de seu personagem é crível e, de certa maneira, compreensível: seu personagem vai deixando de ser um cara introvertido e responsável – mesmo que aborrecido – em um homem que acaba por sabotar sua vida pessoal em nome de algo que ele acredita ser maior.

Não deixa de ser relevante citarmos como “O Tradutor” cita Fidel Castro como uma figura quase divina, a não ser questionada. Em uma linha de diálogo, personagens tentam colocar isso à tona interpelar uma decisão, para logo serem interrompidos com um “ordens de cima” e serem automaticamente silenciados. Em outra, Malin pergunta quem pode resolver seu problema, para então receber a resposta: “Fale com Fidel”, e, em seguida, desistir e se conformar.

Ao menos, o filme não abusa de uma trilha dramática, sendo a mesma pontual e que apenas acompanha e fomenta a experiência. Por fim, O Tradutor não foge as regras típicas de uma produção baseada em fatos reais, mas a roteirista e os diretores esqueceram de criar um final para a história que estavam contando. Além do textinho que sempre acompanha o final desses longas, os diretores não resistem a vaidade de salientar que são filhos na vida real do homem que estavam retratando. O que não deixa de ser interessante, já que se revisarmos “O Tradutor” poderemos interpretá-lo por outro prisma. O problema é querer fazer essa revisita.