Recentemente assisti “Ambulância” do “famigerado” Michael Bay, seu mais novo petardo na cadeira de diretor.  Senti uma vibe responsável em resgatar o espírito dos filmes B de ação à moda antiga dos anos 1990. Época caracterizada por um cinema repleto de ação eletrizante e interrupta, com direito a tiros, explosões e carros colidindo com grande frequência, utilizando bem os recursos fílmicos para desorientar o público, afoito por uma experiência desconcertante e enlouquecedora.

Vale ressaltar que a década de 1990 foi um caso curioso no segmento do cinema de ação. Marcou a transição para um infindável variável de filmes que ainda possuíam uma herança do que era desenvolvido em termos de ação nos anos 1980, com uma preferência pelo exagero, pela estilização da ação e o uso de CGI que predominaria nesta década e nas seguintes. São obras que ressoam até hoje no cinema americano pelos termos de ação de qualidade e que permanecem diversões essenciais para os amantes do gênero.

Logo, queria avisar que estes primeiros parágrafos para esta crítica da seção Advogado de Defesa do Cine Set não deixa de ser um MacGuffin, já que não envolve a defesa da citada obra ou qualquer outro de Bay. Na verdade, “Ambulância” me fez voltar ao tempo e lembrar do finado Tony Scott (1944-2012) pela ação surtada feita de maneira charmosa e na própria praticidade – habilidade do cineasta falecido. Não deixa de ser um belo tributo a ele por ser pautado no experimentalismo transloucado dos anos 1990 e que anda bem escasso hoje em dia no entretenimento pipoca norte-americano. 

É de notório conhecimento que Tony nunca gozou do mesmo prestígio no cinema americano que o irmão Ridley Scott e sempre viveu à sombra deste. Mesmo sem realizar nenhuma obra-prima na carreira, Tony, pelo menos, manteve uma carreira que eu considero mais regular que o irmão.

“MÁQUINA MORTÍFERA” ENCONTRA “DURO DE MATAR”

Errou menos, fez filmes ruins em menor escala e quando acertou fez ótimos como “Fome de Viver”, “Maré Vermelha” e “Amor à Queima Roupa”. Considero “Vingança”, “Estranha Obsessão”, “Deja Vu” trabalhos simpáticos e muito superiores a qualquer coisa que Hollywood vem produzindo hoje. Foi um diretor que mesmo dentro do segmento pasteurizado industrial, soube imprimir momentos de autoralidade no blockbuster americano.

Ao rever “O Último Boy Scout” tive o sentimento de ter redescoberto outro produto divertidíssimo de Tony na ação e, sem dúvida, um dos seus trabalhos mais subestimados na carreira, apesar de todos os problemas de bastidores que ele teve que enfrentar.

Produzido no início da década de 90, “Boy Scout” é uma variação entre os clássicos “Máquina Mortífera” e “Duro de Matar”, sustentado por doses cavalares do que existia de melhor e pior dos anos 90, proporcionando, em linhas gerais, uma diversão descompromissada de primeira qualidade.

Bruce Willis faz o detetive particular Joe Hallenback cuja testemunha (Halle Berry) que o contratou para protegê-la é assassinada misteriosamente. Sem que a polícia dê importância ao caso, ele se une a um ex-jogador futebol americano (Marlon Wayans), namorado da garota, para investigarem juntos os motivos do crime e que envolve uma grande conspiração entre políticos e empresários do futebol americano.

SANDICE FÍLMICA

Não vou negar que dentro do cinema de ação/policial dos anos 90, o longa-metragem de Scott merecia ser colocado em um pedestal pela maneira insana que ele percorre o cinema neo-noir ao exploitation (a violência gangrena nas imagens dentro do filme) alinhado ao “buddy movie”. A relação entre Willis e Wayans, transita muito bem na comédia corrosiva, revestindo estes elementos com uma estética experimental que se revela em cada segmento do trabalho, fascinante.

O roteiro de Shane Black (mesmo de “Máquina Mortífera”) é direto e concreto, fazendo uma aliança perfeita entre os diálogos repletos de fissuras emocionais – seus personagens, em sua grande maioria, vivem em uma letargia emocional. Um subtexto de como o espetáculo do capitalismo selvagem “devora” a humanidade das pessoas – com o visual estiloso de Scott.

É o que Hollywood produziu mais próximo de um espetáculo descontrolado naquele período, sem qualquer tipo de censura, alimentando por uma sinergia na qual o ódio, a violência e o sadismo se revelam um espelho grotesco da nostalgia conservadora dos anos 90. Uma auto sátira do instinto violento e da misoginia ferida da indústria americana e uma crítica ácida ao mundo do esporte americano no caso à NFL.

Se Willis e Wayans estão em grande forma nos seus papéis, Scott filma os tiroteios de maneira grandiosa, com direito a uma sequência de abertura e encerramento de deixar o queixo caído de qualquer um.

Essa sandice fílmica é “reforçada” pelas filmagens caóticas – o roteiro de Shane foi reescrito diversas vezes, Scott quase foi para o braço com o produtor Joel Silver e Willis e Wayans se odiaram durante toda a gravação – e que faz o resultado de “O Último Boy Scout” ressoar ainda mais forte como um enlouquecedor filme de ação dos anos 90, dotado de uma argamassa assombrosa na constituição de uma montanha russa de intrigas paranoicas e na ação de altíssima voltagem proposta pela obra. É para apreciar com o cérebro desligado e se divertir com cada loucura oferecida por este subestimado filme de ação.