“Onde os Fracos Não Têm Vez” é um daqueles filmes que te perturba durante dias. E a cada lembrança te leva por outros caminhos que até então não tinha despertado em você naquele momento. É um filme crescente, entenda-se, ele só se engrandece com o tempo. Grandes filmes tem esse poder imensurável em mãos: a grandeza. Para além de um clássico incontestável, a produção vencedora de Melhor Filme no Oscar de 2008 chega em 2022 como se fosse lançado hoje. Logo, ele não soa datado, tampouco inventa a roda. Não há nada de novo aqui nesse jogo de gato e rato entre os personagens.

O brilhantismo de “Onde os Fracos Não Têm Vez” que faz dele um clássico atemporal não está tão somente em sua narrativa ou de quem está certo ou errado. Mas no emaranhado obscuro da vida. Joel e Ethan Coen colocam em jogo toda a obscuridade que renasce no homem quando posto em conflito.

Em certo momento, o personagem de Barry Cordin cospe duras palavras: “[…] Não pode impedir o que virá. As coisas não são como você quer, é muita presunção”. E o que esperar então da vida quando ela se mostra misteriosa, vazia, incompreendida, mas que em algum momento lhe dá um sopro, como uma oportunidade, mas vinda recheada de consequências que podem ser drásticas. Deve-se aceitar e acatar o fardo ou buscar lutar pela sobrevivência?

E esse é o conflito de Llewelyn Moss (Josh Brolin, ótimo!) na pele deste homem que por um erro ou impulso, de uma hora para outra transforma sua pacata vida em um rastro de sangue e brutalidade. No seu caminho, homens nada amistosos, mas nada compara quando Anton Chigurh (Javier Bardem, MONSTRUOSO), um psicopata nato que tem prazer em matar, adentra o seu caminho sem pedir licença.

O HOMEM É UM CAOS

Os irmãos Coen sabem como poucos usar do cinismo para narrar histórias que colocam em cheque a questão do individuo e como suas ações trazem consequências caóticas. Afinal, não há ação sem reação. É uma assinatura precisa, o homem é um caos. Somos frutos de um caos, não há maniqueísmo aqui quando o sujeito está inserido nessa representação do horror humano no seu estado bruto.

O pior do homem se manifesta quando ele está no seu pior estado, quando não há mais saída senão enfrentar a fera que lhe persegue e a fera que ousa em sair de si. Até que ponto pode-se ser tão cruel, tão nocivo a ponto de não se reconhecer?

“Onde os Fracos Não Têm Vez” trata desta transformação do homem. Um contraponto entre uma fera manifestada (Llewelyn) e a fera que é cruel por sua natureza, seu prazer é matar, é o medo eminente que impulsiona, o arrepio de quem ouve o seu nome, como se toda essa crueldade fosse fundamental para sua existência (Anton). E de fato é.

A SOBREVIVÊNCIA NA SELVA DA CIVILIZAÇÃO

Destaque total para Javier Bardem na pele desse homem impiedoso, articulado e com sede de matança. Uma das grandes performances do cinema desse século que nunca cairá no esquecimento, seja por sua crueldade ou seu armado e impecável cabelo.

Como diria Thomas Hobbes na já famigerada frase, “o homem é o lobo do homem”, o homem é a besta fera. Seja a besta que adormecida que desperta em momentos de infortúnio, seja a besta que impera a sua alma, ela está sempre lá. E quem não está atento aos sinais dessa fúria não terá vez nessa selva chamada civilização.

O filme foi indicado para oito prêmios da Academia, sendo agraciado com quatro incontestáveis estatuetas: melhor filme, direção (os Coen), melhor ator coadjuvante (Barden) e roteiro adaptado (Coen).

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