Recomeçar. Um reinício, uma nova oportunidade, uma nova perspectiva, um recomeço. Estamos sempre nesse ciclo vicioso de dar um novo pontapé inicial. Todavia, há um certo cansaço nesta maratona de reiniciar a vida quando (nunca) ocorre de uma maneira planejada e o sujeito tem que se reinventar para se sustentar em uma sociedade capitalista. Há todo um planejamento de vida já arquitetado muito antes de estarmos aqui, para suprir e manter esse capital.

Nesse sentido, Sean Baker (“Tangerina”, 2015 e “Projeto Flórida”, 2017) consegue extrair para suas obras, o pior das entranhas sociopolíticas e culturais do famoso american dream. O tão alardeado sonho americano vendido como a vida única e perfeita em solo norte-americano, como a terra das oportunidades, de custo e beneficio e proteção ao seu povo. E muitos são seduzidos por esse pensamento que ultrapassa as barreiras territoriais.

Mas e quando a própria população não consegue a tão sonhada vida perfeita? Quantos são os corpos marginalizados, negligenciados e varridos para debaixo do tapete para mascarar uma problemática óbvia? Os EUA têm problemas graves raciais, por exemplo, tudo é privado e poucos, a muito custo, conseguem ultrapassar essa bolha. E o que resta? Trabalhar, trabalhar, trabalhar para gerar lucro. Mas a miséria quase sempre persiste. A miséria como um todo.

“Red Rocket” é mais um exemplar dessa miséria que o american dream construiu.

UM PROTAGONISTA FORA DO COMUM

Mikey Saber (Simon Rex) é um homem de quase 40 anos, ex-ator pornô, sem eira nem beira, que volta para a cidade natal, Texas City, precisamente para casa da ex-esposa, Lexi Davies (Bree Elrod) e da sogra Lil (Brenda Deiss) em busca de abrigo. Sem dinheiro e perspectiva de vida, ele busca por oportunidades, mas com pouca experiência no ramo que não o pornô, a única fonte de renda que resta é traficar maconha. Nesse interim, ele conhece Strawberry (Suzanna Son) uma jovem de 17 anos que, de alguma forma, desperta nele sonhos adormecidos.

A grande questão aqui é que Baker não está preocupado em mostrar uma história de redenção e muito menos um recomeço pré-determinado do que conhecemos como recomeço. Mikey é um sonhador nato, mas também egocêntrico, alienado, sem empatia e zero visão periférica para entender o seu redor que não seja ele mesmo.

A busca por recomeçar não é para se reconhecer, pois ele sabe muito bem quem ele é, e menos ainda pela gratidão, haja vista que foi uma estrela pornô. Ele ainda se considera em uma posição favorável por louros do passado que não rendeu lucros, em que todos de alguma forma devem lhe servir. Mikey, então, percebe em Strawberry a oportunidade de voltar à tona nem que para isso tenha que usar desta menina com certo potencial sexual.

SIMON REX BRILHANTE

Mikey e toda a comunidade em que vive é a síntese da miséria humana em busca por sobrevivência. Condicionada ou não. Um substrato social em uma dinâmica em que um usa e se beneficia do outro para a sua própria sobrevivência.

O próprio Simon Rex, espetacular na pele deste homem tão caótico quanto irresistível, foi um ex-ator pornô no final dos anos 1990, até conseguir uma oportunidade na MTV e explodir como ator na franquia Todo Mundo em Pânico e na série Coisas que Eu Odeio em Você, protagonizada por Amanda Bynes. É incrível que como essa grande oportunidade ele mostrou um lado pouco explorado em sua carreira e soube dosar bem do drama à comédia e ironia. Excelente. Uma pena ter ficado de fora das premiações televisionadas na corrida ao Oscar 2022.

Provavelmente “Red Rocket”, será um daqueles clássicos cult instantâneos e com todo o mérito. Pois, como já dito, o recomeço é um ciclo e essa carência, essa sensação de mediocridade e impotência correlacionada ao sonho americano também. Afinal, uma coisa leva a outra e o colapso da miséria do homem estará sempre por lá. E de novo, de novo, de novo.

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