Durante os nove minutos de “Reflexos da Cheia”, o público do Teatro Amazonas vivenciou uma oportunidade de viajar no tempo na terceira noite do Festival do Olhar do Norte. Engana-se quem deduz que este retorno faz referência apenas ao espantoso período de subida recorde do nível do Rio Negro em 2021 – fruto, diga-se, do descaso ambiental cada dia maior provocado pela humanidade e tão sentido em nossa região. 

O curta-metragem dirigido por Jimmy Christian colocou a plateia em uma experiência que remontava à época dos filmes silenciosos. Sem diálogos e muito menos sons ambientes, “Reflexos da Cheia” traz uma composição do mestre Claudio Santoro utilizada para acompanhar as imagens.  

O casamento das imagens com a potência da trilha – não especificada qual composição exatamente se trata nos créditos do filme – como recursos únicos para prender o público remonta à época em que as orquestras faziam os acompanhamentos do que se passava na tela e às próprias origens do cinema quando os irmãos Lumiére faziam registros do cotidiano parisiense. E isso ocorrer no centenário Teatro Amazonas, palco da primeira sessão de cinematógrafo em Manaus no distante abril de 1897, torna o acontecimento ainda mais simbólico. 

Por falar em imagens, Jimmy Christian, mais uma vez, assombra pela capacidade de extrair imagens com olhares únicos a partir daquilo que já nos é comum – locais como Edifício Garagem e a própria região da Matriz são retratados em reflexos vindos da água transbordada do Rio Negro criando uma poética ora de contemplação assombrosa ora melancólica. 

A montagem também feita pelo diretor, a partir de seu celular, apresenta momentos ainda brilhantes como ao acompanhar a crescente da composição de Santoro com imagens quase expressionistas da Igreja de São Sebastião, onde o céu alaranjado se contrasta com o prédio escuro, gerando um momento quase fantasmagórico. 

“Reflexos da Cheia” é uma experiência que, talvez, uma tela de computador e de televisão não seja capaz de proporcionar. Também não sei se o impacto do filme ecoe tanto para o público em geral tamanha a saturação de imagens a que somos expostos diariamente. A união entre dois artistas com processos de criação tão díspares e sensíveis ao seu modo, porém, merece ser contemplado como ocorreu na noite de 24 de janeiro no Teatro Amazonas.