Quando conhecemos a personagem Margaret em Resurrection, ela é uma mulher bastante profissional no trabalho e completamente segura na vida pessoal. Nós a vemos ouvindo a queixa de uma de suas funcionárias que enfrenta um relacionamento abusivo, depois cuidando da filha e, no fim da noite, fazendo sexo com seu namorado. Por isso mesmo, é chocante quando, alguns minutos depois na história, a mesma mulher desmonta diante de nossos olhos ao notar um homem na plateia de uma apresentação. É alguém do seu passado e ela começa a vê-lo outras vezes depois, em lugares diferentes. Quem ele é e a relação dele com ela é a força que move este suspense dramático do diretor/roteirista Andrew Seamans.

E o filme funciona principalmente por causa da poderosa atuação de Rebecca Hall como Margaret. Toda a produção depende dessa atuação: ela é a narradora de certa forma e está em todas as cenas. Felizmente, Hall é aquele tipo de atriz que não é tão comum, capaz de carregar filmes nas costas, não importa o gênero e não tem medo de ir onde outras intérpretes talvez não fossem. Resurrection não é um filme fácil, não é realmente uma opção para quem busca apenas um mero entretenimento – e isso é proposital, pois trata seu tema a sério – e é a atuação dela que o mantém forte.

Não deve ter sido um trabalho fácil para a atriz, mas ela se sai admiravelmente bem. Suas cenas com a filha (Grace Kaufman) funcionam e o jogo psicológico que se estabelece entre ela e o misterioso David (um apropriadamente nojento Tim Roth) é o que deixa o longa fascinante. Até a voz da atriz muda – Hall usa seu sotaque inglês no filme e, em alguns momentos, modula sua voz para um tom mais rouco, quase primal. Realmente se trata de um grande trabalho, de uma atriz no pleno domínio do seu ofício.

Resurrection também pinta um retrato expressivo e altamente dramático de uma relação entre abusada e abusador e o fato de algumas coisas ficarem para a imaginação do espectador torna o filme realmente incômodo, em alguns momentos. A cena em que Margaret conta toda a sua história pregressa com o homem para a sua funcionária, filmada num plano de vários minutos sem cortes, só enfocando o rosto de Hall, é outro grande momento da atriz e do filme como um todo.

O elenco está excepcional, mas isso não quer dizer que o diretor não faça seu trabalho. Há um toque hitchcockiano em Resurrection, com certas cenas da protagonista seguindo seu algoz à distância, capazes de estabelecer um clima forte de suspense. Também há momentos perturbadores envolvendo sonhos: a subjetividade de Margaret e o desmonte da sua psique são impactantes e bem encenados, com um clima frio e claustrofóbico na fotografia e nos cenários.

Realmente, com seu clima de quase terror sufocante, havia o risco de tornar o filme um “samba de uma nota só”, mas é graças à condução segura de Seamans e à atuação de Hall que Resurrection escapa de se tornar enfadonho ou opressivo demais. Eles nos fazem investir na jornada desta mulher, por mais perturbadora que possa ser, em uma obra que, ao final, nos deixa com uma sensação inquietante, como é apropriado em se tratando deste tipo de história. Definitivamente não é um Supercine para uma noite de sábado, mas quem o assistir vai encontrar uma história fascinante e uma atriz em estado de graça.

MAIS SUNDANCE NO CINE SET: