Sophia Loren, um ícone da história do cinema, retorna as telas depois de seis anos. A última aparição havia sido em “Voce umana”, produção dirigida por Edoardo Ponti, seu filho e também diretor de “Rosa e Momo”, longa-metragem disponível na Netflix que traz a estrela ao lado do jovem Ibrahima Gueye. Os dois protagonizam uma trajetória permeada por conflitos geracionais, traumas e identificação.
Baseado no livro “A Vida Pela Frente” de Romain Gary, a trama acompanha Momo (Gueye), um adolescente órfão senegalês, que leva a vida fazendo pequenos furtos e traficando drogas. Em uma dessas situações, ele conhece Rosa (Loren), uma ex-prostituta que cuida dos filhos de suas ex-colegas de profissão. Convencida pelo Dr. Coen (Renato Carpentieri), Rosa o acolhe em seu apartamento.
A partir disso, o roteiro se desenrola como um melodrama que visa a identificação, aceitação e transformação de seus protagonistas. Infelizmente, Ponti não foge dos batidos clichês dos dramas mornos do serviço de streaming como “Milagre na Cela 7” e “18 Presentes”. As jornadas escolhidas para os personagens são previsíveis e, de certa forma, pesadas emocionalmente para atingir ao espectador que se deixa conduzir pela narrativa apresentada. Rosa e Momo são dois opostos diametrais e banhados visualmente para isso. E é nesse aspecto que se concentra o grande mérito da produção.
Esbanjar das Cores
Apesar dos caminhos óbvios e das viradas de trama (plots) pouco sutis, visualmente o filme é um primor. As cores são muito bem trabalhadas e expressam as relações propostas pela produção. Enquanto Momo se mantém isolado e fechado para um elo com Rosa, por exemplo, o azul permeia suas cenas. A iluminação sobre seu corpo negro é delicada e lembra bastante a utilizada em “Moonlight” e “Queen & Slim”, a fotografia comprime o menino, o deixando em quadros distantes dos outros personagens. Essa situação muda gradativamente, conforme ele permite que Rosa entre em sua vida, abrindo espaço para que o amarelo e o vermelho substituam o azul.
Ele não é o único, no entanto, que cede a resistência e permite conhecer o outro. Rosa também passa por um processo de transformação marcado pela opacidade do vermelho. Mas com ela, as mudanças são mais nítidas por meio das temáticas utilizadas na produção e são importantes para a compreensão do pano de fundo de Rosa e Momo.
Conexões e traumas
A conexão entre os personagens, contudo, se alicerça por meio dos traumas. São os medos embalados por Rosa responsáveis para que ela enxergue Momo de forma diferente. Para que veja nele a mesma busca por sobrevivência que guiou a sua trajetória. Os pontos baixos da personagem de Loren fazem com que se aproximem e que ela se abra para a criança que precisava de alguém que se importasse consigo. Isso permite a percepção de que apesar de todas as diferenças projetadas em torno das duas personas, os dois são iguais. E é a partir de então que a empatia arregimenta uma amizade improvável.
Mais do que uma história de aceitação, o longa de Ponti arranha temas ainda vistos como melindrosos na sociedade contemporânea. O menino órfão que encontra abrigo na casa de Rosa simboliza a questão dos refugiados na Europa e as divergências político-culturais que o choque entre pontos de vista tão divergentes ocasiona. Há uma preocupação, ainda que solta, para que o garoto não perca laços com sua cultura natal, mesmo que as pessoas que o circundem não professem o mesmo rito. É interessante observar essa construção e a lição que deixa para o público. Mas quando digo que ele apenas arranha é porque falta um aprofundamento maior a temática, mesmo que essa não seja sua prioridade, como pode ser visto em produções como “Ciambra” e “Years and Years”, por exemplo.
Como um todo, “Rosa e Momo” destaca-se pelo seu visual e direção bem orquestrada, mas principalmente pelas interpretações. É ótimo para a geração contemporânea apegada aos produtos disponíveis no serviço de streaming contemplar Loren em cena e poder vislumbrar a delicadeza e a veemência como encarna seus personagens e que fica nítido em cada marca do tempo presente em seu rosto. Mas o mérito também se estende ao jovem Gueye e a Ponti, que consegue sensibilizar seu público, especialmente quando os créditos sobem e a voz de Laura Pausini irrompe. Seria essa uma aposta na Netflix para o Oscar?
Gostei. Concordo que a temática dos refugiados devia ser mais aprofundada. Merecia um oscar de fotografia pelo menos. Achei plasticamente tocante.