“Sai de Baixo” surgiu nas noites de domingo em 1996 com o intuito de conter as vitórias de Silvio Santos sobre a Globo. Com influência da saudosa “Família Trapo”, a sitcom gravada no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, se destacou ao longo dos sete anos no ar com o humor popular de bordões e o eterno choque de classes sociais.

Na onda da nostalgia perante os desanimadores dias atuais, a chegada da série aos cinemas era mais do que esperada. Salvo raríssimas exceções, porém, “Sai de Baixo – O Filme” mais irrita do que provoca risadas. Trata-se de um produção tão malfeita e sem graça que faz os terríveis episódios iniciais da segunda temporada, quando Ilana Kaplan (lembra?) substituiu Cláudia Jimenez, serem pérolas do humor nacional.

O filme inicia com Caco Antibes (Miguel Falabella) e Vavá (Luís Gustavo) presos após um esquema fracassado do pobretão metido a milionário do Arouche. Com isso, a família é despejada do apartamento e passa a morar de favor junto com o porteiro Ribamar (Tom Cavalcante) e a tia dele (também interpretada pelo humorista cearense). A chance da volta por cima é levar pedras preciosas, pertencentes ao lado rico dos Antibes, para fora do Brasil e conseguir uma parte do negócio. Para tanto, eles decidem ressuscitar a Vavatur e organizar uma viagem com um grupo de senhoras para burlar a fiscalização na fronteira.

À primeira vista, a proposta de fazer um filme além da fórmula do teatro filmado parece uma boa, afinal de contas, seria cômodo realizar uma produção com a cara da sitcom no famoso esquema do ‘time que está ganhando, não se mexe’. “Sai de Baixo”, entretanto, não aproveita a oportunidade pela falta de qualquer ambição narrativa, além dos cenários serem os mais pobres possíveis – o local onde Cassandra fica escondida (sabe Deus como ela chegou lá, diga-se de passagem) parece ter sido gravado no primeiro hotel que a equipe de filmagem da diretora Cris D´Amato (das “obras-primas” “É Fada” e “S.O.S – Mulheres ao Mar“) encontrou pelo caminho.

O roteiro escrito por Miguel Falabella liga o modo Caco Antibes de esculhambação, pois, não há a menor lógica em determinadas situações. A maior delas, sem dúvida, é a insistência de Ribamar em colocar as duas malas com as pedras no bagageiro do ônibus. Detalhe: todas as malas dos passageiros são cor-de-rosa (!?), logo, obviamente, não seria possível identificá-las. Mas, com isso, ganha-se uns 5, 10 minutos de trama. A tentativa de emular o seriado também não encaixa bem por simplesmente não soar natural como ocorria na televisão: Aracy rindo de uma piada de Tom soa como algo combinado e os monólogos de Caco sobre os pobres não estão inseridas de forma orgânica com o ritmo pretendido pelo filme.

Para piorar, a escatologia marca presença com louvor. As privadas são tão protagonistas do filme quanto Caco ou Magda (Marisa Orth) a ponto de conversas entre diversos personagens ser feita a partir dela. Tom Cavalcante, aliás, ‘brilha” neste tipo de humor: piada com problemas de estômago, água e talco na cara saindo do vaso sanitário estão ali “muito bem” aproveitadas. A atuação dele como a tia do Ribamar é digna de um Framboesa de Ouro, talvez, apenas competindo com Lúcio Mauro Filho que ultrapassa qualquer barreira da caricatura como o bandido Banqueta.

Mesmo diante de tudo isso, “Sai de Baixo” consegue, vez ou outra, esbarrar no filme divertido que realmente poderia ter sido. O choque de classes tão característico da série brilha em um momento singelo em que Sundae (Katiuscia Canoro) conta para Caco a origem do nome dela e o sonho de ter um capa de botijão de gás combinando com a parede da casa. Os olhos dos dois brilham: ela com o desejo daquilo virar realidade, ele com nojo. Além disso, o discurso empoderado de Magda ao ouvir mais um ‘Cala a Boca’ mostra que era possível brincar com as evoluções comportamentais de duas gerações.

Com direito a um ‘cromaquizão’ e a cortina fechando rapidamente após uma música mambembe, o final de “Sai de Baixo” escancara o mau planejamento e a pressa com que foi feito. Se um cara genial e polivalente como Miguel Falabella não consegue melhorar o nível das comédias populares brasileiras, o negócio está feio mesmo.