Duas coisas se destacam em “Alex Wheatle”, quarto episódio da série antológica “Small Axe”: a construção visual e o protagonista. Ao longo das semanas, tenho destacado o trabalho do diretor de fotografia Shabier Kirchner. Seja por sua câmera sensível em “Os Nove do Mangrove”, sensorial em “Lovers Rock” ou enclausurante em “Vermelho, Azul e Branco”. No quarto episódio, sua cinematografia é determinante para compreendermos a biografia do romancista inglês que leva o nome do capítulo.
Steve McQueen vem sinalizando a necessidade de discutir temas pertinentes tendo como referencial a cultura afro-caribenha expatriada no Reino Unido. Nesse episódio, em especial, ele toma como guia a trajetória de pertencimento e resistência de Wheatle (Sheyi Cole) para nortear a transformação de um jovem negro que não se enxerga como tal. Ora em um país miscigenado como o nosso, em que Megan Markle seria vista como uma mulher morena clara e Gil do Vigor tem a sua identidade negra descredibilizada no BBB21, o senso de pertencimento ressaltado em “Alex Wheatle” é extremamente didático e crucial.
Acompanhamos o início da juventude do personagem, desde sua infância no orfanato de Shirley Oaks até sua prisão por participar do levante de Brixton em 1981. A montagem elíptica nos faz navegar por sua trajetória de forma não-linear, que reforça as questões identitárias e sociais de alguém sem passado e sem perspectiva de futuro. Alex é um negro retinto e o único entre outras crianças, o que faz com que sofra racismo constante e não tenha percepção disso e nem sobre si mesmo. O resultado reflete em sua personalidade influenciável e a ausência de conhecimento de sua ancestralidade.
Nesse quesito, o roteiro é didático ao mostrar a importância do senso de pertencimento e comunidade. A chegada de Alex no condado de Surrey é primordial para que sua jornada como romancista e roteirista pudesse ser alicerçada. É entre pessoas semelhantes a si que ele vai encontrar seu lugar no mundo e descobrir quem é a Babilônia, como lidar com a truculência policial e o que é ter um lugar onde não se chame a atenção pelo tom da sua pele. Tudo isso apela para o crescimento emocional e educativo do personagem que, como uma criança, precisa ser ensinado sobre a dura realidade de ser um jovem negro.
CONHECER O PASSADO PARA ENTENDER A ANCESTRALIDADE
A coloração utilizada em cena é importante para percebermos como esse desenvolvimento ocorre. Enquanto Alex se mantém recluso, isolado e sem entender seu lugar no mundo, há uma predominância de tons azuis e o destaca dos outros moradores de Brixton. Esse mesmo isolamento se estende aos seus momentos na cadeia e, curiosamente, o põe em contraponto aos outros personagens.
Ao caminhar, por exemplo, com mais dois colegas, as diferenças visuais o colocam sempre como uma figura apática a efervescência do bairro inglês. No entanto, conforme Alex Wheatle vai absorvendo a ancestralidade, pouco a pouco o azul cede espaço para o amarelo que é a cor matriz desse episódio. A mesma coisa se dá na cadeia, de acordo com o afunilamento de seu relacionamento com Simeon (Robbie Gee).
Um fator essencial para absorção da cultura afro-caribenha também é a música. Aliada a fotografia e a atuação sensível de Cole, serve como protesto para que o personagem ponha para fora sua solidão, deslocamento e dores. Ela também é um instrumento visual para compreendermos a prisão de Wheatle e dar espaço as imagens documentais do incêndio de 1981 que matou 13 negros em Brixton, Londres, motivo dos protestos que tiveram a participação ativa do personagem e determinante para que ele percebesse a que lugar pertencia.
De todos os episódios, este é o que mais se assemelha a um capítulo serial e é essencial para que entendamos a importância de saber o lugar a que pertencemos. Como diria Simeon, é preciso conhecer o passado para entender o futuro. Nesse caso, substituiria passado por ancestralidade, por saber com quem contar e, finalmente, quem ser.