Chegamos ao último episódio de “Small Axe”, série antológica dirigida por Steve McQueen (“12 Anos de Escravidão”). Intitulado “Educação”, o capítulo final narra um conto infantil carregado de incompreensões, racismo e a luta por uma educação inclusiva. O diretor, que também assina o roteiro ao lado de Alastair Siddons e Courttia Newland, aproveita para discutir temas mais universais como o distanciamento afetivo e o quanto a questão de gênero e raça interfere no seio familiar.
Acompanhamos Kingsley (Kenyah Sandy), um garoto apaixonado pelo cosmo, mas com dificuldade de leitura. Um dia, sua mãe (Tamara Lawrance) é comunicada que ele será transferido para outra escola a fim de receber uma educação destinada aos seus obstáculos de aprendizagem. A indiferença no rosto do pedagogo e o silenciamento da mãe indicam claramente que a decisão faz parte da política de segregação racial praticada no país.
A gramatura na fotografia de Shabier Kirchner nos conduz a um período longínquo nos anos 1970, situado ao público quando um diálogo revive a esperança de uma mãe devido a eleição de Margaret Thatcher. Os ângulos apresentados e o posicionamento dos atores em cena nos passam a ideia do quão sofrido é toda a situação para o protagonista. Embora isso não transpareça no texto – com exceção de quando ele é obrigado a ler -, a cinematografia o coloca distante simetricamente dos outros personagens. Na cena em que sua mãe é comunicada da transferência do garoto, por exemplo, mesmo que estejam lado a lado, há uma linha visual que os afasta.
O racismo vestido de educação
Tudo isso serve para salientar a incompreensão do protagonista. Particularmente, nos primeiros 20 minutos de projeção, tive a sensação de esse ser um dos episódios mais doloridos de “Small Axe”, tendo em vista o comportamento rude e racista dos professores para com uma criança que evidentemente necessitava de compreensão e atendimento. Olhando sob o prisma mais analítico, no entanto, é notável que esse sentimento de desconsideração também partia de outras esferas, acentuando problemas de ordem universal.
Por um lado, temos a situação revoltante do sistema educacional, por outro, “Educação” é certeiro em mostrar o quanto as mulheres são aquelas que estão mais conectadas ao ensino familiar. São elas que se reúnem e lutam contra a subeducação destinada as crianças Índia-Ocidentais, encontrando estratégias que possam não apenas derrubar o sistema, mas também envolver os pais. É o que acontece no lar de Kingsley, por exemplo, no qual mãe e filha precisam se unir para fazer com que o pai compreenda o que ocorre com o filho.
O curioso é que tal questão desencadeia várias outras que se encontram representadas de forma sintética dentro da produção. Um mérito de McQueen que utilizou “Small Axe” como um todo para discutir assuntos pouco abordados no audiovisual e que precisam ser colocados em pauta.
Catarse por meio da Ancestralidade
Diferentemente da maioria dos episódios, no entanto, “Educação” entrega um último ato catártico e identificável. A escolha de mostrar uma educação baseada em conhecer a ancestralidade por meio do uso da cultura negra, além da escravidão americana, é o processo mais assertivo tanto para alfabetização do protagonista quanto para acentuar o discurso político presente em toda a antologia.
Curiosamente, o capítulo surge em um período simbólico na educação em Manaus no qual a Justiça do Amazonas teve que suspender a resolução do Conselho Municipal de Educação de Manaus que tinha a intenção de retirar temáticas relacionadas a relações étnico-raciais, diversidade de gênero e liberdade religiosa do sistema municipal de ensino.
“Educação” é fundamental para pensarmos como o processo da luta contra o racismo pode funcionar. Muito mais do que por meio de meios jurídicos ou jogando o jogo do adversário é o ensino que transforma vidas e reverbera no nosso campo de influência. Mais um acerto para McQueen e a luta contra o preconceito, consagrando “Small Axe” como uma das grandes e necessárias produções contemporâneas.