A minissérie do Prime Video “Solos” busca se distanciar de comparações ao streaming concorrente. Para tanto, traz elementos de ficção científica e a relação da tecnologia com (e eventualmente versus) a humanidade em um futuro distópico. Nesse sentido, há uma semelhança com “Black Mirror” e “Love, Death and Robots“.

A produção foca em narrativas carregadas de monólogos e temáticas de autorreflexão entre os personagens. Estes são interpretados por um elenco de peso em cada um dos sete episódios – astros do porte de ganhadores do Oscar como Anne Hathaway, Morgan Freeman e Helen Mirren. Mas, apesar do cenário favorável, a série não consegue entregar sua proposta.

“Solos” foi produzida durante a pandemia em 2020. Foi um momento em que as produções audiovisuais navegavam na incerteza de como prosseguir com os trabalhos em meio a uma das maiores crises sanitárias que a sociedade já viveu até então.

Isso reflete diretamente na forma como a narrativa da minissérie é contada. Em cada episódio, o espectador vai acompanhar pelo menos a história de um personagem.

No piloto, é apresentada a história de Leah (Anne Hathaway) uma física que está tentando se comunicar com o futuro. No segundo episódio, temos Tom (Anthony Mackie), um magnata que comprou um clone para ocupar seu lugar após sua morte. No episódio seguinte, temos Peg (Helen Mirren), uma idosa que parte em uma missão só de ida para o espaço, enquanto relembra de seus momentos na Terra.

O quarto episódio conta a história de Sasha (Uzo Aduba), uma mulher que não consegue sair de sua casa inteligente mesmo depois de 20 anos do fim de uma pandemia. No quinto episódio, o espectador conhece as desilusões amorosas vividas por Jenny (Constance Wu).

Em seguida, temos Nera (Nicole Beharie), uma grávida que dá à luz sozinha em casa. Porém, devido a uma anomalia, o filho se desenvolve mais rápido que o normal. E por fim, o último episódio traz o diálogo entre Stuart (Morgan Freeman) e Otto (Dan Stevens), um idoso com Alzheimer e um homem que decide ajudá-lo com a cura, respectivamente.

Narrativa rasa para grande elenco 

A presença da ficção científica e como o comportamento humano é moldado por meio dos avanços tecnológicos é perceptível na série. Vale ressaltar que a presença destes elementos futurísticos não norteia o desenrolar das tramas, servindo apenas de plano de fundo para as narrativas e seus personagens. E é neste ponto que “Solos” peca.

Os roteiros são rasos e pouco desenvolvidos, perdendo a chance de trabalhar com um tema rico em possibilidades. A tentativa dos roteiristas de trazer profundidade acaba tendo efeito reverso e deixando a antologia superficial, sem envolver o público ao apelar para abordagens melhor trabalhadas em outras obras.

Os exemplos são vários. A tentativa de viajar para o futuro para fugir do passado e o trabalho como prioridade acima da família foram bem trabalhados na comédia dramática “Click” (2006) – na qual o personagem do Adam Sandler também utiliza um recurso de tecnologia avançada.

Outros momentos da série, como a substituição de uma pessoa por um clone e a manipulação da consciência e memória já foram abordados em diversas produções, inclusive pela antologia seriada “Black Mirror”, com melhores resultados.

O diretor David Weil também opta por não deixar os episódios apenas com os atores declamando um monólogo em um cenário. Os elementos de interação, porém, muitas vezes são provenientes de uma tecnologia avançada, como vemos em quase todos os episódios. Ou seja, os personagens relatam histórias de suas relações, traumas e pensamentos sobre a vida e a morte.

A qualidade do roteiro, porém, atrapalha a proposta de apresentar esses monólogos. Se compararmos com a estrutura do texto de Phoebe Waller-Bridge em “Fleabag” (2019), por exemplo, percebemos como o monólogo é muito bem escrito. Waller-Bridge consegue trazer dinamicidade para o texto e faz com que o espectador fique preso ao longo de 1h20 minutos da peça. “Solos”, no entanto, não segue a mesma dinâmica.

Outro ponto digno de atenção é que há momentos na série em que é possível perceber exagero nas atuações justamente para forçar um sentimento ou emoção que carece na narrativa. O resultado é que a minissérie acaba se tornando maçante para o espectador, apesar da curta duração de cada episódio. Todos têm por volta de 20 a 30 minutos.

Essa frustração e indiferença causada no espectador acaba apagando o “brilho” que a série propõe ao levantar uma questão reflexiva no início de cada episódio. A situação piora quando constatamos que o desfecho do episódio é entregue nestes primeiros minutos sem que o seu bojo seja envolvente. Somando-se isso à narrativa arrastada, aumentam as chances de o espectador abandonar a minissérie.

A ‘odisseia’ existencialista de Major Peg 

Apesar de todos estes problemas, a temática existencial de cada personagem tenta trazer a reflexão do que é um ser humano e como ele está inserido na sociedade. Em cada episódio, vemos uma história de pessoas perderam a essência de existir devido ao isolamento – seja ele proposital ou não.

Um bom exemplo que ilustra essa ideia é no terceiro episódio. Nele vemos Peg, que passou 71 anos de sua vida com medo de se impor e evitando relações com as pessoas, partindo em uma viagem sem volta para o espaço para se reencontrar. Quando a nave chega no local, ela se arrepende de não ter aproveitado sua vida na Terra. Vale destacar que neste papel Helen Mirren prova mais uma vez ser merecedora da estatueta do Oscar. Ainda que o texto seja fraco, não há como ignorar sua atuação.

“Acho que perdi a noção do tempo. Se eu soubesse o quanto eu significava para mim mesma. E pensei: Por que sempre penso que vou incomodar? Por que tanto medo de ser vista? É tão injusto não ser vista. É injusto não saber que também tenho coisas dentro de mim. Coisas que sinto, digo, penso e sei. Poderia dançar, amar, excitar, precisar, merecer, existir… E eu sou uma pessoa! Aí eu pensei que talvez no ponto mais longínquo do universo, eu acharia o meu lugar. Eu finalmente seria considerada! ”

A forma como Peg enxerga a vida relembra um pouco os pensamentos existencialistas de Sartre, quando acreditava que “o importante não é o que fazemos de nós, mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós”. Além disso, a dupla missão de Peg vai de encontro com a música “Space Oddity” de David Bowie, que toca nos créditos finais do episódio. Na canção, o personagem de Bowie (Major Tom) tem o mesmo semblante de alguém que está em uma missão para se reencontrar

“Pois aqui estou, sentado nesta lata bem acima do mundo.

O planeta Terra é azul, e não há nada que eu possa fazer.

Apesar de estar a mais de 160 mil quilômetros,

Me sinto bem inerte

E acho que minha nave espacial sabe para onde ir”

David Weil tinha todos os elementos favoráveis para que Solos pudesse ser uma das grandes obras de 2021. Porém, o roteiro mal trabalhado impede que o espectador se conecte com as histórias dos personagens da minissérie. É instigante pensar que se esta série for revisitada em um futuro onde o isolamento social não seja mais necessário, talvez o impacto proposto ao espectador seja ainda menor.

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