Quando “Lost” começou a ruir definitivamente, os resilientes fãs permaneceram acompanhando a série muito mais pelo apego a Jack, Kate, Sawyer, Sayid, Desmond do que pela vã esperança de que os mistérios teriam uma resolução diga. Da mesma forma ainda que (bem) longe de provocar decepção semelhante, a primeira parte da quarta temporada de “Stranger Things” deixa claro como a real força são os queridos personagens e as relações entre eles, pois, se depender da história…  

A bem da verdade, os criadores da série, os irmãos Duffer tiveram uma missão dura para a atual leva de episódios, afinal, a Netflix inchou a duração dos capítulos: se o mais curto teve 64 minutos, o último cruza os 98 minutos – nem vou falar do desfecho previsto para julho. Logo, haja criatividade para criar tramas para todos os núcleos. “Stranger Things”, entretanto, sempre teve uma base muito simples, semelhante aos clássicos dos anos 1980 de onde tira a inspiração: uma super-heroína (Eleven – Millie Bobby Brown) conta com o apoio de um grupo de amigos e aliados mais velhos para enfrentar as ameaças do Mundo Invertido que assombra Hawkins.   

NÚCLEOS DESTOANTES 

A atual temporada até investe nesta base, porém, precisa criar mais e mais para manter tanto tempo de tela. E não consegue. A saga de Joyce (Winona Ryder) e Murray (Brett Gelman) para chegar à URSS e salvar Hopper (David Harbour, outro desperdiçado, diga-se), por exemplo, pode até render momentos nonsenses e a dupla acaba por ser o alívio cômico, mas, não o suficiente para impedir a sensação de que estamos perdendo tempo com eles graças às saídas absurdas para fazer a trama dos dois andar.  

Will (Noah Schnapp) até se destaca pela insegurança de alguém que parece esconder algo a mais (ou será apenas um shipp?) por Mike (Finn Wolfhard), mas, se não é o maconheiro entregador de pizzas Argyle (Eduardo Franco) roubando a cena, seria outro núcleo apagado – simbólico sequer terem dado o ar da graça no sétimo episódio. Já a proposta de transformar Eleven em um pobre coitada, sofrendo pelos cantos na escola e no laboratório com uma caracterização forçada aliada a uma trama que vai e volta para o mesmo ponto cansa a boa vontade de qualquer espectador, tornando o desfecho com Chico Buarque e tudo previsível logo de cara.   

“Stranger Things” cresce mesmo quando coloca os personagens principais e coadjuvantes juntos, resolvendo problemas e correndo do perigo. Não à toa que a temporada se sustenta em torno do carisma, da inteligência e das piadas ruins de Dustin (Gaten Matarazzo), da tensão entre Nancy (Natalia Dyer) e Steve (Joe Keery) e, claro, Max (a ótima Sadie Sink), dona do grande momento dos sete episódios, justamente uma parte que recorda aquilo que nos faz acompanhar e gostar da série. Para completar, a escolha de Joseph Quinn para interpretar o roqueiro nerd Eddie dominando tudo desde a primeira cena é mais um acerto da verdadeira craque do sucesso da Netflix, a diretora de casting Carmen Cuba.  

RITMO É TUDO 

Se buracos não faltam na trama da nova temporada e a história adia questionamentos elementares ad eternum (observe o tempo que leva para alguém questionar a motivação do vilão para escolher as vítimas), a montagem consegue disfarçar tais problemas de modo admirável. Mesmo com episódios longos, difícil achar algum capaz de cansar quem assiste. Isso se dá pela forma rápida, fluida e nada confusa de como as ações são estabelecidas e resolvidas no transcorrer de cada capítulo.  

Também é admirável como o trio de diretores – os irmãos Duffer, Shawn Levy e Nimród Antal – consegue criar momentos de ação ou suspense de alto nível. O tiroteio na casa onde se refugia o grupo de Mike, todas as mortes feitas por Vecna, Steve lutando no Mundo Invertido e a reta final do quarto episódio são a prova da consistência de um trabalho muito bem executado de ritmo para não dispersar o público. Fora que isso se casa com outras sequências mais leves como o plano com os irmãos maluquinhos de Suzie (Gabriella Pizzolo) para dar o equilíbrio base de “Stranger Things”. 

Mesmo com a nostalgia e as referências para gerar engajamento nas redes sociais dando claros sinais de esgotamento, há de se admitir como a primeira parte da quarta temporada consegue a proeza de ser uma delícia de acompanhar. Sim, as falhas estão lá e são latentes, mas, ao mesmo tempo, impossível não se apegar a um grupo de atores tão bem escalados correndo atrás de monstros por pouco mais de uma hora com ótima montagem, efeitos visuais e som. Não é nem passa perto de ser a melhor série da atualidade (posto ocupado por “Better Call Saul”), mas, cumpre com louvor a sua missão: nos entreter.