Um enorme festival de música acontece na mais conhecida cidade do planeta e ainda assim suas gravações permanecem desconhecidas por anos. Esse é o plot de “Summer of Soul”, documentário dirigido por Questlove, que explora as gravações do Harlem Cultural Festival, que aconteceu em 1969 no bairro Harlem em Nova York.

O maior mérito de “Summer of Soul” é a conciliação das gravações do festival com os depoimentos dos artistas e fãs presentes, sempre conectados a partir de uma edição de som primorosa. Esse manuseio das gravações conduz os espectadores por uma experiência que preza pela emoção dos shows, no intuito de criar uma ambientação libertadora, coletiva, reproduzindo quase a sensação de assistir aos shows ao vivo.

Há também um acerto na dinâmica que busca explicar o contexto do festival e o motivo de seu “esquecimento”. Ocorrido no mesmo ano que Woodstock, o  Harlem Cultural Festival durou seis finais de semana, contou com a presença de inúmeros artistas consagrados, milhares de pessoas acompanhando, mas ainda assim não conseguiu vender suas gravações.

O Harlem é reconhecido bairro de origem negra em Nova York, berço de inúmeras manifestações culturais e políticas, e logicamente o boicote ao festival provém do racismo presente na sociedade estadunidense. Ao apresentar essas motivações, “Summer of Soul” nunca abre mão de guiar seu roteiro pela música do evento, apostando em uma montagem dinâmica, feita por Joshua L. Pearson, que combina bem as entrevistas, os shows e imagens de arquivo.

KING E A MÚSICA

Um belo exemplo é a citação a Martin Luther King Jr. A memória do ativista político é usada para falar sobre os grandes acontecimentos da década de 60 no país, a ebulição da luta antirracista, os assassinatos de figuras políticas emblemáticas, as diferentes organizações políticas.

Ao mesmo tempo, “Summer of Soul” também preserva a relação de Luther King com a música e introduz uma das mais belas apresentações do Harlem Cultural Festival: “Precious Lord” pela voz de Mahalia Jackson e Mavis Staple.

O documentário, dessa forma, sempre renega um didatismo para o seu público, buscando preservar a natureza de celebração e expiação que o festival representou para aqueles que estiveram presentes, descobrindo sua força política a partir da arte e dos afetos. A obra nunca escolhe o caminho fácil para emocionar ou entreter, e confia nas imagens que tem para cumprir esse papel.

“Summer of Soul” acerta ao resgatar um festival esquecido sobre o prisma de memórias ainda latentes na sociedade americana.

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