A terceira temporada de “The Crown” chega expandindo as relações da casa de Windsor. Acontece uma troca completa na guarda do elenco da série: saem Claire Foy, Matt Smith e Vanessa Kirby e entram Olivia Colman, Tobias Menzies e Helena Bonham Carter. A transição é feita de maneira sutil, o roteiro consegue ser eficaz em trazer uma tirada para apontar esse momento, ao mesmo tempo, em que o ironiza. Somos apresentados aos novos selos com o rosto da rainha estampados, de um lado vemos Foy e do outro Colman, dois lados da mesma moeda.
A maturidade de Elizabeth
Somos levados a 1964. Elizabeth II já está há mais de duas décadas no trono, mostra-se mais segura, estável e menos propensa aos dramas da juventude. Ao seu lado, percebemos o quanto os membros da realeza também amadureceram nesse período, com destaque para o Duque de Edimburgo, que finalmente se comporta como o parceiro que a Elizabeth da segunda temporada almejava: ele demonstra respeito e admiração pela figura da esposa e, principalmente, por sua monarca.
A atuação de Colman é contida, no entanto há uma carga dramática palpável – exemplificada com olhares angustiados, leves acenos de cabeça e delicados movimentos da boca. A vencedora do Oscar por “A Favorita” consegue dar prosseguimento À interpretação de Foy e tornar, aquilo que parecia incômodo à jovem monarca, uma marca da sua personalidade. Desse modo, é possível vislumbrar o seu amadurecimento e perceber a transformação na rainha que almeja ser.
Ao tomar consciência desse comportamento, uma das cenas que mais ganham destaque é a que a personagem revela sua dificuldade em sentir emoções. Embora ela tenha atingido o momento da vida em que sabe quem é e que pode oferecer àqueles que estão em sua tutela, ainda há coisas que a assombram e lhe causam indagações. Aproveitando este espaço, a trama se expande para outros dois personagens que ainda sofrem com as imposições da “Coroa”: Margareth e Charles.
Um reinado de Margareth?
A relação entre as filhas do rei George permanece conturbada. Margareth carrega as mágoas e ressentimentos do peso de ser membro da família real. Com o passar dos anos, o vício e a melancolia dominaram a vivacidade e alegria que a princesa esbanjava. A personagem vive entre altos e baixos, brilhando em público enquanto se afunda em angústias na solidão de seu castelo.
Os problemas da princesa continuam em torno de suas relações amorosas. “The Crown”, no entanto, procura destacar mais uma vez os contrapontos entre Margareth e sua irmã, conduzindo a reflexão sobre com qual delas repousa a razão. Afinal, apesar de saber da necessidade de brilhar que a irmã mais nova possui, o argumento de sua instabilidade sempre prevalece para a rainha. Entretanto, está é a primeira vez que o público é levado a imaginar como seria o reinado de Margareth e é triste perceber que, para ela, ser a número dois sempre foi um fator difícil de aceitar.
Helena Bonham Carter conduz muito bem os diálogos de Margareth e a melancolia que paira sobre ela. Diferentemente de Colman, a atriz, no entanto, não consegue manter a graciosidade da intérprete anterior (Vanessa Kirby) e deixa a sensação de que falta algo a sua Princesa Margareth.
O florescer de Charles
Não tão querido pelo público, Charles é uma das figuras mais carismáticas dessa temporada de “The Crown”. Isso se dá mais por conta de sua condição do que necessariamente pelo carisma, algo tão forte, por exemplo, da Princesa Margareth.
Os últimos episódios da segunda temporada já apontavam o distanciamento que o Príncipe de Gales tem de seus pais, mas, é no decorrer deste ciclo que contemplamos o seu ponto de vista. Artista e sensível, Charles foi o primeiro membro da família real britânica a frequentar escolas regulares e experimentar o outro lado de ser alguém com um nascimento diferenciado.
De todos os personagens apresentados até aqui, o futuro marido de Diana é o mais afetado pelas imposições da monarquia. Por este motivo, é interessante perceber como a direção e a fotografia o captam de forma diferenciada. Os planos e enquadramentos sempre o colocam distante, sozinho e como se estivesse confinado. O episódio em que ele vai até o País de Gales é o que mais configura essa característica: o tom esverdeado da paleta de cores e a opção por enquadrá-lo junto aos cidadãos como se estivessem em uma caixa apontam o esquecimento da monarquia com a nação e o príncipe herdeiro.
Apesar disso, Charles se mostra resistente e demonstra personalidade. Além de incluir suas próprias opiniões no discurso em Gales, fica amigo do rei Eduardo VIII, enfrenta a mãe mais de uma vez e começa um relacionamento com Camila Shand, que viria a se tornar Camila Parker Bowles. Embora haja muitas frustrações em seu caminho, a série constrói uma narrativa que nos faz ter empatia pelo jovem herdeiro e abre espaço para que o público anseie pelo aparecimento da Princesa Diana na trama.
“The Crown” segue sendo uma produção grandiosa. Os figurinos, as locações, cenografia e elenco permanecem com o mesmo primor e agora contam com o amadurecimento e aprofundamento das relações em torno do trono. Estas, por sua vez, se tornam mais envolventes a medida que se percebe o contexto em que os personagens estão inseridos e como os seus desenvolvimentos contribuíram para a história contemporânea de uma grande nação. Sem dúvida, a terceira temporada chega num momento oportuno e abre caminho para os próximos eventos da Coroa, como Margaret Thatcher e Princesa Diana.