“The Humans” é a adaptação da peça de teatro homônima de Stephen Karam, premiada com o Tony de melhor peça em 2016. A história serve de début para o dramaturgo como diretor de filmes. Nela acompanhamos o jantar de Ação de Graças de uma família no novo apartamento da filha caçula. Um ponto de partida interessante para uma narrativa que procura explorar o comportamento humano por meio das ausências.

A história é ambientada em uma única noite e um único cenário, o apartamento de Brigid (Beanie Feldstein). Ela e o namorado (Steven Yeun) acabaram de se mudar para um duplex com aparência abandonada e, por isso, com bom valor de mercado.

Vazio e com as lâmpadas queimando constantemente, o local traz paredes sem cores nem objetos e muito menos fotos – em outras palavras, falta uma identidade expressiva – e nem mesmo parece haver conexão entre a residência e o casal que convive ali, o que marca pela tentativa de emular uma lareira com projeção; algo totalmente millenial, porém sem nenhum traço de afetividade. Rememorando, de certa forma, a casa decrépita de “Clube da Luta”. Talvez a escolha de receber alguém em tais condições não seja das melhores, prova disso é a difícil condução da avó (June Squibb) pelo apartamento e os comentários feitos pelo pai (Richard Jenkins) salientando as ausências do duplex.

CLAUSTROFOBIA VOYEURÍSTICA

A atmosfera insalubre que o ambiente causa é apenas um prenúncio da conturbada relação familiar. O curioso é que, embora seja perceptível os lapsos no apartamento, conforme os personagens vão revelando suas facetas, a casa se degrada junto com eles, como se estivesse em um processo de desmanche e desnudamento.

Um aspecto positivo para a direção de arte de “The Humans”, visto que pouco a pouco transforma o encontro em um cenário claustrofóbico e digno de um suspense psicológico; pena que a direção de Karam suavize essas questões em prol dos diálogos existenciais. Se conseguisse encontrar um ponto de equilíbrio entre ambos, facilmente o filme conseguiria alcançar as mesmas proporções incomodas do jantar de “O Convite” de Karyn Kusama.

A fotografia assinada por Lol Crawley (“O Diabo de Cada Dia”) é mais um ponto que contribui para a instauração do suspense na trama. Enquanto os diálogos entre os personagens apontam para dramas e conflitos não resolvidos, que sempre despertam nos encontros familiares; a câmera observa a ação, como se fôssemos intrusos dentro daquele ambiente. Os planos escolhidos sempre projetam os personagens como se estivessem dentro de um quadro na parede sendo acompanhados.

É como se assistíssemos por meio de portais. Crawley utiliza uma cinematografia próxima a dos projetos de Fincher, como a câmera parada no tripé enquanto os personagens se movimentam. Dessa forma, cria-se quadros parados com planos longos, tornando o espaço claustrofóbico e voyeurístico ao mesmo tempo.

CONVIVÊNCIAS COMPLEXAS

Tal escolha deixa “The Humans’ mais lento, contudo prepara o espectador para a compreensão do que realmente simboliza aquele encontro: a ausência de familiaridade em um jantar de família.

O roteiro de Karam usa a atmosfera incômoda para refletir a convivência complexa dos personagens, como cada jornada individual caminha para o caos que é ver as expectativas irreais de um encontro familiar ruírem. Assistir a isso é complexo porque reflete muitas questões presentes nos lares universalmente – como relações fraternas, traição – e discute assuntos que se tornaram corriqueiros pelo alto índice de diagnósticos contemporâneos como ansiedade, dificuldade de aceitação e ter que lidar com perspectivas impostas por terceiros.

Embora a maneira como esses diálogos são apresentados tenha o aspecto teatral e não seja tão profundo, são importantes para que o não dito seja percebido; pena que isso gere uma ausência de afeto no seio familiar. Falta que se faz presente devido às cortinas emocionais e as aparências travestidas de proteção.

Isso torna “The Humans” um filme sobre ausências. Ausências emocionais, identitárias, espaciais e até mesmo luminárias. Karam consegue trabalhar os aspectos cinematográficos de forma muito mais eficaz que aqueles que herdou do teatro. Curioso e inusitado.

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