Fazia tempo que Jimmy Christian não entregava um curta tão satisfatório como ocorre agora com “Tucandeira”. O último bom filme do diretor e fotógrafo amazonense havia sido “Bodó com Farinha” (2015) sobre todo o processo de pesca, cozimento e importância do famigerado peixe amazônico. De lá para cá, produziu obras que deixaram uma impressão incompleta (“Ruas de Rio” soa curto demais para o que poderia ser) ou que simplesmente se perdiam nas suas pretensões (“Opala Conexão Amazônica”).
Selecionado para a Mostra Competitiva Norte do Festival Olhar do Norte 2020, “Tucandeira” acompanha o tradicional ritual dos Saterê Mawé de passagem da puberdade dos homens. Nele, jovens rapazes devem vestir uma espécie de luva para serem picados por dezenas de formigas tucandeira (Paraponera clavata), que podem medir até 2,5 centímetros de comprimento. Para tanto, Jimmy Christian bebe na fonte do cinema etnográfico e adota uma abordagem direta focada em explicar e mostrar o que é o ritual e todos os seus simbolismos a partir da narração didática do indígena Geter Saterê.
O curta deixa claro seu intuito de ser um registro da vida indígena, da potência do ritual e de toda ancestralidade presente naquele momento. Com a direção de fotografia do excelente Orlando K. Júnior (repórter cinematográfico da Rede Amazônica com participações marcantes em programas como Globo Repórter e Fantástico) e imagens de grandes nomes da fotografia amazonense como Bruno Kelly e Michel Dantas, “Tucandeira” consegue realizar uma imersão, ao mesmo tempo, plasticamente bela quanto singela pelo tom respeitoso com que se insere naquele universo.
Não à toa que se torna perceptível a naturalidade com que os Saterês se mostram diante das câmeras seja nas brincadeiras dos adolescentes no rio ou dos garotos e garotas ao ouvir a história do papagaio, da onça e da velha senhora. Esse universo imagético aliás, se completa com a força sonora captada por Fernando Crispim Sanches trazida com extrema riqueza pelos sons da floresta e dos cânticos do ritual.
OLHAR INSTIGANTE
Pena que “Tucandeira” não consiga ir além do registro; faltam relatos pessoais daqueles jovens para que haja uma criação mínima de elo ou empatia com o que se vê. Tal ausência também não permite um olhar mais aprofundado sobre como esta ancestralidade passa através de gerações além do ritual em si, mas, também como acaba sendo encarado por estes garotos.
Mas, diga-se, que tal abordagem não chega a ser algo inédito dentro da nossa produção: premiado no Amazonas Film Festival em 2013 na categoria de melhor curta-metragem local em documentário, “Watyama”, do parintinense Everton Macedo, abordava o mesmo assunto de maneira semelhante.
Apesar disso, Jimmy Christian demonstra, mais uma vez, ser um dos diretores mais interessantes do atual cinema amazonense com “Tucandeira”. Seu olhar sobre a Amazônia, sua natureza e seu povo permanecem sendo instigantes, de um realizador em constante inquietude (por vezes, até demais) e de talento ímpar para transformá-las em imagens fascinantes.