Os filmes de espionagem sempre tiveram uma ótima capacidade de se adaptarem a novos contextos históricos. Do combate ao nazismo (década de 40-50), a paranoia comunista (década de 60-80) até chegar aos novos “inimigos” surgidos pela face do terrorismo (década de 90 até os dias atuais), a jornada da espionagem na cultura pop cinematográfica tem passado por diversas reformulações e revisões, deixando de lado o aspecto mais fantasioso para adentrar no campo realista e humano, onde o inimigo está mais próximo do que imaginamos. 

Isso é facilmente perceptível em Um Jantar Entre Espiões, novo thriller de espionagem da Amazon Prime Video. Na trama do filme dirigido por Janus Metz, oito anos depois de um atentado terrorista que causou a morte de 120 passageiros em Viena, a CIA descobre que uma pessoa da equipe na época, vazou informações sigilosas para os terroristas ocasionando no fracasso da missão. 

O veterano Henry Pelham (Chris Pine na nova empreitada no gênero de espionagem depois de viver Jack Ryan em 2016) é designado pelo chefe (Laurence Fishburne) para reabrir o caso e descobrir quem é o traidor, além de erradicá-lo para não gerar constrangimentos à agência perante a mídia. Henry fez parte da equipe envolvida em negociar com os terroristas na época e, por isso, terá de confrontar o passado traumático ao reencontrar a ex-amante Celia Harrison (Thandie Newton, da série Westworld), uma integrante também da equipe, diretamente relacionada ao caso (e potencial suspeita), para juntos em um jantar, remontarem o caso passo a passo. 

Na trilha da espionagem clássica, mas de resultados mornos


Um Jantar Entre Espiões, em grande parte da narrativa, envereda por um ponto de vista mais intimista – metade do seu desenrolar ocorre no cenário de um restaurante, onde os diálogos são a base construtiva da tensão – ao abordar os conceitos da espionagem de maneira diferente do que se espera para os padrões comerciais voltados para a ação frenética que o gênero tem proporcionado atualmente através das franquias Missão Impossível e Bourne

De certa forma, o trabalho de Janus Metz trilha dentro da sua proposta pela espionagem clássica, muito mais pautada na investigação, nas longas cenas de diálogos e nos jogos ambíguos de gestos, olhares e ações de seus personagens do que direcionar para momentos grandiosos de perseguições. 

Isso permite que a experiência parta de uma premissa interessante: a história logo nos primeiros minutos se revela atraente, os personagens de Henry e Celia ganham a confiança do espectador graças aos seus interpretes carismáticos e o conflito emocional que sustenta a trama principal sobre as verdades que se escondem por trás dos traumas que Henry e Celia trazem do passado, ajudam a encorpar o estudo de personagem de ambos e também oferece um mistério digno para a investigação sobre o fracasso da missão em Viena. Celia é suspeita? Ela conhece quem é o traidor? Henry está sendo sincero com ela ou esconde fatos que não quis falar por causa de estar ligado emocionalmente com ela? 

Por estamos na era do streaming onde tudo é mais volátil e intenso, a direção de Janus Metz juntamente com o roteiro de Olen Steinhauer (baseado em um best-seller de sua própria autoria) tempera a história com romance e drama para encorpar o suspense em torno do seu mistério. 

Apesar de todos esses adornos terem seu valor narrativo juntamente com o drama emocional dos personagens – é um filme que trata sobre os lutos e as perdas emocionais – e o subtexto político-social que traz nas entrelinhas o fantasma do 11 de setembro ainda vivo na história americana, Um Jantar Entre Espiões pouco consegue organizar de maneira minimamente interessante ou sistemática, a sua boa premissa moldada entre o suspense clássico e o romance. O filme parece tão ocupado em se esgueirar por uma narrativa diferenciada em relação ao que o gênero tem oferecido no cinema americano, que se esquece de construir uma trama surpreendente com as reviravoltas esperadas dentro da espionagem ou uma história de paixão intensa que acaba conduzida de modo frio e sufocado, sem conseguir angariar emoção. Fica a sensação, infelizmente, de querer convencer o seu público de que é muito mais inteligente do que na verdade é. 

A própria forma de contar a história do atentado utilizando flashbacks sobre o passado de Henry e Celia se revela burocrático muito em razão da montagem confusa, o que esbarra na falta de tensão em torno do mistério de quem é o traidor, afinal os demais personagens secundários que compõe a equipe da CIA são praticamente mal desenvolvidos, com a exceção do chefe imediato de Celia, interpretado pelo ótimo Jonathan Pryce que ganha certa relevância na trama, mas que acaba esquecido pelo roteiro depois da metade do filme. 

Atuações dedicadas para compensar o thriller mediano

Entre idas e vindas do filme, a ausência de tensão e de descobertas que se tornam manjadas gerando um desenvolvimento nada inventivo, Um Jantar Entre Espiões se beneficia pelas atuações dedicadas de Pine e Newton. Ambos se esforçam em estabelecer uma química amorosa no relacionamento entre eles. Ele traz charme e ambiguidade para ações de Henry, enquanto ela oferece uma dramaticidade emocional que ajuda a clarear os conflitos éticos de Celia. 

Logo, essa dedicação é também fácil de observar na entrega dos dois na cena de sexo, algo raro de se ver no cinema americano comercial quando se envolve atores do quilate de Pine e Newton. A direção de Janus demonstra um bom vigor para ajustar este relacionamento amoroso no campo visual. As cenas do jantar são intercaladas por cores quentes e closes nos rostos do casal permitindo o espectador internalizar a história romântica entre eles a partir do mergulho na intimidade dos traumas e conflitos que eles carregam. 

Já os flashbacks são carregados por palhetas acinzentadas e frias, retratando o tom trágico e fatalista em torno da missão antiterrorista. Se por um lado existe elegância no trabalho de Janus, auxiliado por um indescritível trabalho de fotografia de Charlotte Bruus Christense nos enquadramentos e planos, pelo outro ele não consegue estimular um ritmo que concatene o thriller de espionagem com o suspense e romance. 

No fundo, Um Jantar Entre Espiões está longe de ser ruim, mas também não chega a ser satisfatório. O mestre Stanley Kubrick já disse que é difícil ser o autor do próprio livro e ainda ser o roteirista. Isso se comprova bem aqui, afinal tanto Steinhauer quanto Janus não conseguem dinamizar ou dar gás ao seu promissor enredo, entregando em linhas gerais, um thriller morno ao espectador.

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