Por que seres humanos perigosamente arriscam a vida escalando grandes montanhas? E vale a pena fazer isso, se ninguém vai registrar ou lembrar? Estas perguntas estão no cerne de Viagem ao Topo da Terra, animação francesa disponível na Netflix dirigida por Patrick Imbert e baseada no mangá do mestre Jiro Taniguchi, em parceria com Baku Yumemakura.

O protagonista é o fotojornalista Fukamachi, que está em busca do “MacGuffin” da história, algo valiosíssimo para o mundo do alpinismo: uma câmera que supostamente teria tirado fotos de George Mallory, o primeiro homem a tentar escalar o monte Everest. O filme dentro da câmera, se revelado, poderia enfim determinar se Mallory chegou ao cume do monte e acabar com um grande mistério – seu corpo nunca foi encontrado quando tentou a escalada, em 1924, muitos anos antes do Everest virar atração turística e de qualquer pessoa com dinheiro suficiente ter a chance de subir até o topo.

A história se complica porque Fukamachi jura que viu a câmera nas mãos do alpinista Habu, um sujeito que enfrentou uma tragédia pessoal e então desapareceu. Como ninguém acredita nele, cabe ao herói ir atrás da maior história da sua carreira e, no decorrer da sua investigação, descobrimos o que aconteceu com Habu e os caminhos que vão levar os dois personagens a se encontrar rumo a mais uma subida ao Everest.

 COMPANHEIRISMO EM DIVERSOS SENTIDOS

É um filme singelo e, apesar da estrutura contar com alguns flashbacks, a história é simples. O estilo de animação não é de fato inovador: o visual é bonito, mas as cenas mais impressionantes ficam guardadas mesmo para a meia hora final e a direção de arte é simples. E não deixa de causar estranhamento vermos personagens claramente japoneses, vivendo em um contexto japonês, mas falando em francês – isso diminui a autenticidade do longa e acaba sendo o seu maior problema.

Mesmo assim, Viagem ao Topo da Terra tem uns belos momentos imagéticos e sonoros. Em algumas cenas, o jogo de luz e sombra impressiona e certos planos perto do final desafiam o olhar – por uns segundos até fica-se na dúvida sobre se estamos vendo uma paisagem desenhada ou uma realmente fotografada no alto do Everest. E a trilha sonora de Amine Bouhafa representa a essência da obra: discreta, mas capaz de comover em cenas-chave.

Viagem ao Topo da Terra é uma experiência sensorial que não chega a arrebatar emocionalmente, mas possui belos momentos e convida a uma reflexão existencial. De certo modo, o filme é sintetizado na cena dos alpinistas escalando a montanha, conectados por uma corda. Na subida em dupla, o erro de um pode provocar a morte do outro ou dos dois.  Sempre se pode escalar sozinho, claro, mas aí também reside um risco, o de ter uma morte solitária e dolorosa caso algo dê errado. E quem vai valorizar a façanha, caso o alpinista se decida a subir sozinho? Captar esse dilema de forma simples e tocante e, ao mesmo tempo, explorando as possibilidades do cinema animado, é o maior mérito do filme de Imbert.

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