Na premiação do Oscar do ano passado, um dos únicos momentos decentes da cerimônia foi a homenagem ao diretor e roteirista John Hughes, falecido em agosto de 2009. Hughes era o responsável por filmes como Clube dos Cinco e Gatinhas & Gatões, mas era lembrado, principalmente, por ter realizado uma das comédias mais cultuadas do cinema: Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off).

O filme de 1986 conta a história (e eu ainda preciso dizer?) de Ferris Bueller (um Matthew Broderick bem novinho), o garoto que já acumulou nove faltas em apenas um mês, e em suas escapadas da sala de aula, arrasta consigo sua namorada Sloane (Mia Sara) e seu melhor amigo, Cameron (Alan Ruck). Especialista em forjar doenças e armar esquemas sofisticados que enganam os pais e comovem professores, colegas e metade da cidade, a ponto de fazê-los promover a campanha “Salve Ferris!”, para lhe comprar um novo rim, ele acha muito mais interessante passear pelas ruas de Chicago do que aturar horas ouvindo sobre a economia na Grande Depressão (“Bueller…?”, pergunta o professor durante a chamada, numa cena engraçadíssima). Enquanto isso, correm em seu encalço o diretor Ed Rooney (Jeffrey Jones, de Beetlejuice), determinado a capturar o aluno fujão – e que nessa perseguição também protagoniza alguns dos momentos mais engraçados do filme –, e sua irmã invejosa Jeanie (Jennifer Grey, Dirty Dancing), amargurada por saber que não importa o que aconteça, Ferris é sortudo o suficiente para nunca ser pego.

Curtindo a Vida Adoidado é um belo exemplo da característica que marcou os filmes de John Hughes: a adolescência, compreendida em toda a sua efervescência. Apesar das soluções simplistas para os conflitos do filmes, o que o tornou alvo de críticas negativas, o diretor mostra compreender a juventude como mais do que meros “aborrecentes” (e nesse ponto, Clube dos Cinco também é ótimo): Ferris, o garoto cheio de ousadia, que quer viver cada dia como se fosse o último, em contraponto ao amigo Cameron, extremamente neurótico e com dificuldades de relação com o pai, que ama mais sua Ferrari do que a própria esposa. O diretor Rooney, por sua vez, é a figura do adulto totalitário e que parece não enxergar mais nada além do trabalho. Aliás, a identificação do filme com o espectador jovem é tanta que Ferris conversa com seu público, e exerce o papel de um quase guru não só para Cameron, mas para todos nós. “A vida passa tão rápido, que se você não parar e olhar ao redor, você pode perdê-la”, diz ele em uma de suas pílulas de sabedoria.

Justamente por conta das neuroses de Cameron, Ferris decide fazer deste um dia especial, que marque a vida do amigo e o faça ganhar um pouco mais de amor-próprio. E assim, depois dos três visitarem juntos alguns pontos turísticos, jantarem num restaurante chique e enganar o maitrê esnobe, presenciamos a cena mais antológica do filme – que só me lembra minhas tardes de infância regadas a Sessão da Tarde –: o momento em que Ferris invade um desfile, sobe num carro e dubla “Twist and Shout”, dos Beatles, fazendo todo mundo dançar. Uma cena de fazer os olhos brilharem.

Cena de Ferris Bueller cantando Beatles em Curtindo a Vida Adoidado

O filme pode até ser visto como puramente simples e comercial, mas o fato é que Curtindo a Vida Adoidado, graças a seu status de filme favorito da juventude dos anos 80, e suas falas e cenas memoráveis, tornou-se um clássico do cinema, que faz você se sentir bem quando assiste. Pra mim, é a cura pra depressão. Além disso, é a prova de que se pode fazer uma comédia hilária e inesquecível sem ter que recorrer ao escracho, como cada vez mais se faz hoje em dia. Afinal, quem nunca quis, por apenas um momento, ser Ferris Bueller?

por Gabriel Oliveira
especial para o Cine Set