Terrence Malick tem um talento contemplativo e filosófico em suas obras, o que pode agradar alguns e a outros causar um estranhamento não tão positivo quanto a obra audiovisual pretende gerar, na maioria das vezes. Seu último trabalho, De Canção em Canção, traz uma colagem de várias temáticas filosóficas que são cuidadosamente reverberadas pelos quatro personagens identificáveis na trama.

Mais uma vez o diretor de 73 anos aposta no vaivém de triângulos amorosos, mostrando seu interesse por histórias de amor e relacionamentos realizando uma busca interna por acertos e confirmações. Inevitavelmente, esses relacionamentos acabam engolidos pelas situações ao redor. O filme conta com um elenco respeitado: Michael Fassbender, apresentando uma boa forma psicótica – mais uma vez – sendo um produtor musical de sucesso. Ryan Gosling, novamente interpretando um músico em busca de uma carreira. Natalie Portman surge como uma garçonete apaixonada por Fassbender e todos os jogos e promoções que o relacionamento pode proporcionar a ela e Rooney Maara, que reverbera o protagonismo da obra sendo o terceiro membro dos triângulos amorosos formados por Malick.

“Eu gosto de ter experiências e qualquer experiência é melhor que nenhuma” – o diálogo estabelecido por Faye (Rooney Maara) evidencia do que o filme é construído. De recorte em recorte. De colagem em colagem. De Canção em Canção se articula em uma linha narrativa pouco usual, apegando-se a construção experimental visual que é uma das primazias da parceria Malick e Lubezki. O filme é experimental e sensorial, a fotografia, do melhor fotógrafo do mundo atualmente, dá o tom das relações presentes em tela. É a responsável por aproximar e distanciar as histórias e oferecer ao expectador as informações necessárias para compreender a narrativa. Junto com a fotografia, a mixagem de som contribui para que acreditemos que o diálogo poderia ser facilmente estabelecido entre nós – já que o casamento de fotografia e mixagem de som nos deixa dentro da cabeça do personagem – e com quem o personagem conversa.

Lubezki opta pela dinamicidade na imagem. Há o uso constante de câmeras subjetivas e a sensação de estar se observando a história da altura do chão. O expectador parece estar dentro da história atento a todos os detalhes. E por falar neles, o uso de plano detalhe induz ao estado das relações, apesar de haver raras cenas de nudez, o filme é carregado por um teor erótico, sensual promovido pelo jogo de câmeras e a forte presença dos atores.

E por falar em experimentar, é interessante as temáticas filosóficas que Malick esboça por meio de Faye. A moça está em busca de sensações, mesmo que sejam ruins, que lhe deem a impressão de permanecer viva. A personagem vive de insatisfações em um conflito constante a procura de si. E assim, ela vai se moldando para cada pessoa com quem se envolve com o pretexto de ser livre. Desse ponto de vista, embora ela queira ser livre, não consegue desapegar do relacionamento que teve com Cook (Michael Fassbender), que, por sua vez, parece querer oferecer tudo as mulheres com quem se envolve sob a falsa noção de que este tudo vem acompanhado de liberdade. Um diálogo sobre esse pretexto do filme, me lembrou muito um diálogo sobre liberdade em Game of Thrones, “quando eu quiser ir embora ele me dará tudo o que preciso para ir” diálogo estabelecido entre Rhonda (Portman) e sua mãe, mas que poderia muito bem se encaixar na conversa entre Jon Snow e Missandei na série da HBO, a questão que se levante é: que parte sua você é capaz de vender pelo conceito de liberdade e felicidade?

Para alguns, a liberdade e felicidade são momentâneas, vivem a espera de instantes que incidam a ambas e possam dizer que a experimentaram e sabem do que se trata. Mas sob qual custo? Malick evoca questionamentos sob o estado emocional que se encontram os habitantes da contemporaneidade. Ele constrói essa busca suscitando imagens de casas no subúrbio com quintais arborizados até chegar a mansões brancas e cinzas do projeto arquitetônico modernista. Assim, no meio da efervescência de Austin, Texas, De Canção em Canção dispara diálogos filosóficos e reflexivos soltos, que não conseguem encontrar o caminho distanciado das frases de efeito de Caio Fernando Abreu.

Tomando esse fluxo de ideias, o filme tenta dialogar com músicas e estilos musicais para que eles ditem o ritmo que cada sequência vai tomar e alimentem o lado musical de Ryan Gosling e Michael Fassbender. Aliás parte da narrativa abarca o quanto a vivência de produção musical de Cook o transformou num homem louco, psicótico, ao passo que este é o mesmo motivo que dá a BV (Gosling) e Faye um amor puro que os leva ao fim da época da inocência. A relação do triângulo protagonista embora, em um primeiro momento, se apresente leve, livre e sem complicações no início da narrativa, pouco a pouco vai se revelando diante da câmera. Escancarando o jogo de dependência e amarras que a falsa noção de liberdade exacerba e que o diretor articula no movimento teatral dos corpos, da posição dos pés.

A palavra misericórdia talvez seja o que consegue descrever a relação vinculada com essa obra, junto da ausência de liberdade e das sensações. Faye, Cook e Rhonda apelam a ela para viverem. Faye e Rhonda a auto misericórdia, Cook planando em sua busca. E é inevitável o poder de atuação que os três atores/personagens arquitetam juntos no jogo de poder sensual, mas aparentemente sem interesse ou dependência.

Malick apresenta um filme incomum, coberto por um espiral de imagens e músicas que tornam os isolados momentos na vida de cada personagem frenéticos e intercortados pelo passado e presente que os atormentam. Pode não ser uma grande obra na filmografia do diretor, mas deixa seu espaço reflexivo e estimulante àqueles que se identificam com Cook, Faye e BV – seus questionamentos, decisões e narrações da própria vida.