Após o cancelamento de duas atrações originais da Netflix baseadas em histórias da Marvel Comics – “Luke Cage” e “Punho de Ferro”, o “Demolidor” chegou à terceira temporada cercada de mistérios sobre a trama e o próprio futuro dela no streaming. Porém, diferente dos outros seriados da Marvel, a história do advogado cego e herói nas horas vagas apresentava uma trajetória consistente e popular entre seu público, algo visto tanto na primeira quanto na segunda temporada. O terceiro ano além de dar continuidade à trama mostra uma renovação para Murdock (Charlie Cox).

Um grande ponto positivo na história do advogado é a volta de um roteiro com diálogos que apresentam questionamentos sobre si, tornando-o um herói mais complexo e denso. Na primeira temporada, Murdock se perguntava sobre sua natureza para o bem ou mal, o objetivo de ser um herói e todos os custos que o ofício lhe apresenta. Dilemas como esses voltam a assombrá-lo após os eventos traumáticos que passou, resultando em diálogos poderosos e cenas com capacidade de fazer o espectador refletir. O texto da série se torna mais importante que antes e muitas respostas são literalmente criadas pela argumentação.

Além das falas, “Demolidor” continua a manter seu padrão no visual. Os tons escuros e cenas com pouca iluminação voltam a retratar a deficiência visual de Murdock. Neste sentido, um dos momentos mais importantes sobre o personagem é o seu distanciamento do uniforme vermelho assumido para se tornar o demônio de Hell’s Kitchen. Diferente do advogado, o espectador pode visualizar outra pessoa com a roupa característica do herói, o que apresenta um dos principais pontos de ruptura com outras histórias utilizadas da série.

Com uma classificação indicativa para maiores de 18 anos, “Demolidor” não poupa na violência, sangue e crueldade. Apesar dos últimos episódios intensificarem isso com o antagonista novato Benjamin ‘Dex’ Poindexter (Wilson Bethel) e com o antigo conhecido Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio), o grande ápice fica por conta do plano sequência em que Murdock tenta deixar a prisão após buscar provas contra Fisk. O take de 11 minutos do personagem escapando do local durante uma rebelião ganha destaque tanto pela direção de fotografia forte e ousada assim como pela atuação de Charlie Cox.

Como o esperado, os personagens evoluem conforme a história avança e isto vai além do protagonista. Os antigos amigos de Murdock, Foggy Nelson (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll) ganham espaço mesmo sem a presença do personagem e conseguem segurar histórias importantes para o roteiro. Neste ponto, Karen apresenta um grande avanço desde a primeira temporada: ela seguia uma trama irregular, desempenhando duas profissões distintas, foi o interesse amoroso de Foggy e depois de Murdock, cobrindo algumas pontas soltas do roteiro. No 10º episódio desta temporada, a história dela é finalmente contada com a atenção devida e, ao final, “Demolidor” apresenta intenções de criar uma narrativa mais linear para Karen.

Assim como os mocinhos, os antagonistas da série também continuam com uma ótima construção. A volta de Fisk, conhecido como o Rei do Crime, relembra o público suas grandes características com vilão e a ótima apresentação realizada na primeira temporada. Da mesma forma, Dex é retratado como um novo personagem tão perigoso quanto Fisk, com capacidade para ser o destaque em um próximo ano. A produção continua com um ótimo timing para inserir e retirar personagens, característica fundamental para que antigas figuras venham à tona e outras sejam descartadas.

Após o desfecho infeliz da temporada anterior, desta vez, “Demolidor” encerrou seus episódios de forma satisfatória, oferecendo aquilo que prometeu: o confronto de Murdock com Fisk e, como bônus, Dex. Até chegar neste resultado, pequenos questionamentos para uma continuação foram cuidadosamente colocados para o espectador. Apesar do cenário delicado entre a Netflix e Marvel, a produção ainda é uma série que consegue equilibrar referências dos quadrinhos com uma narrativa instigante e perspicaz, capaz de se renovar a cada temporada de forma consistente, o que deve ser suficiente para garantir sua permanência por, ao menos, mais uma temporada no streaming.