M. Night Shyamalan é um caso muito interessante de se analisar.

Surgindo de maneira barulhenta com o excelente O Sexto Sentido (1999), o diretor, logo em seu primeiro filme, fez muito sucesso, ganhou reconhecimento e respeito do público e da crítica, foi indicado a Oscar de melhor direção e roteiro, e tornou-se um nome envolto em expectativas sobre que projetos assumiria no futuro, e se estes conseguiriam repetir o mesmo nível do filme que contava com Bruce Willis e Haley Joel Osment.

Com filmes como Corpo Fechado (2001), Sinais (2002), e A Vila (2004), Shyamalan conseguiu se manter forte no mercado, embora depois de tais filmes o seu nome já não fosse mais nenhuma unanimidade, visto que, mesmo tendo uma grande quantidade de fãs destes projetos, um bom número de críticos, e uma considerável parte do público, começava a questionar o estilo do diretor, que parecia sempre fazer questão de se auto-referenciar, exibindo uma desagradável presunção.

Mas se a desconfiança começou a bater à porta do indiano, nada se comparou com os seus seguintes projetos, os fraquíssimos A Dama na Água (2006), Fim dos Tempos (2008) e O Último Mestre do Ar (2010). Com esses filmes, o respeitado diretor virou motivo de piadas, chegando a ser ridicularizado por alguns profissionais da área, que afirmavam que a prepotência do mesmo foi a responsável pelo seu retumbante fracasso.

Porém, assim como tudo na vida, no cinema as coisas são relativas, e mesmo depois de tantos fracassos, Shyamalan ainda mantinha um considerável número de fãs, que ou achavam que ele apenas passava por uma fase “menos inspirada” e que, como é talentoso, iria voltar a fazer bons trabalhos em algum momento; ou ainda há aqueles que defendem inclusive os tais mal falados projetos, alegando que são filmes subestimados, incompreendidos, e que, assim como o diretor, estão a frente de seu tempo.

Embora considere Shyamalan um diretor bastante talentoso, creio que ele andou escorregando feio nos últimos anos (principalmente com Fim dos Tempos). Mas como o seu nome ainda nos remete a filmes de qualidade, sempre valia a pena ficar de olho no que o diretor se envolvia, pois poderia ser que ele voltasse a acertar a mão.

E é com felicidade que constato que depois de um longo inverno, Shyamalan está de volta com um trabalho bastante interessante.

Em um futuro distante, a raça humana teve que abandonar a Terra, devido ao fato dela ter se tornado impossível de sobreviver, e com isso todos foram para Nova Prime. Neste lugar o general Cypher (Will Smith) faz parte de um grupo de guerreiros destemidos, os únicos capazes de enfrentar as terríveis ursas, que atacam as pessoas ao detectarem o medo de suas vítimas. Kitai (Jaden Smith), filho de Cypher, tem o sonho de se tornar um guerreiro, mas sempre fraqueja e se mostra inseguro e temeroso, o que o afasta do seu rígido pai. Depois de uma viagem, a aeronave em que eles estavam é abatida, e pousa na Terra. Kitai e Cypher são os únicos sobreviventes do acidente, mas o general encontra-se em estado grave, e para conseguirem se salvar, o jovem terá que ir até onde a cauda da nave caiu, para poder fazer contato com as pessoas do seu planeta, mas para isso terá que enfrentar todos os perigos de uma Terra bastante ameaçadora e cheia de armadilhas.

O cinema de Shyamalan tem os dois pés fincados no suspense, no qual o diretor consegue imprimir uma assinatura marcante, que facilmente o diferencia dos demais. Mas em Depois, esse estilo é colocado um pouco de lado, dando espaço para uma legítimo filme de aventura. É como se o diretor dissesse que quer se reinventar, que quer voltar a trilhar uma estrada com consistência, e pra isso preferiu enveredar por um outro caminho, pra quem sabe com isso começar tudo de novo, um novo debute, o seu novo primeiro filme, um novo O Sexto Sentido.

Como se poderia esperar é inevitável que, por estar caminhando nessa direção pela primeira vez, certas escolhas pareçam semelhantes com demais vistas em outros filmes. O visual futurista lembra o de A Viagem (2013); o acidente da nave lembra momentos de dois filmes de Robert Zemeckis, Náufrago (2001) e O Voo (2013); o visual da Terra é uma espécie de Pandora [Avatar (2009)] menos fluorescente; o pós-acidente automaticamente nos remete a Lost; e os efeitos visuais dos animais lembram o brilhante trabalho feito por As Aventuras de Pi (2012).

Mas apesar do que possa parecer, não se trata de um filme genérico, e nem uma imitação de todos os filmes citados. Todas essas semelhanças devem ser encaradas como pontos positivos do longa, pois elas foram utilizadas com uma cara própria, caminhando com as suas próprias pernas, e não caíram no erro de se encherem de pudores ao utilizar tais elementos com medo de que tais comparações surgissem, questionando o filme de maneira pejorativa.

Aliás, filmes de aventura, de modo geral, não são muito inventivos, visto que o que geralmente muda de um projeto para outro são os efeitos visuais, cenários, e situações, porque trama, montagem, trilha sonora, interpretações e roteiro muitas vezes seguem o mesmo padrão pré-estabelecido, o que não significa que são filmes chatos e desinteressantes.

E Depois é um belo exemplo disso. É um trabalho ágil, divertido, com uma trama que respeita a inteligência do público, e insere um assunto principal que é desenvolvido de maneira satisfatória.

Muito do sucesso do filme se deve, evidentemente, a direção, que não chama a atenção para si, contribuindo muito para o desenvolvimento da trama, sendo a principal responsável pelo filme de duas horas passar rapidamente, sempre mantendo-se interessante.

Um belo exemplo disso é a sequência em que Kitai é perseguido por um bando de macacos furiosos, ou quando está fugindo de uma ave enorme, e depois de felinos gigantescos, o que também realça o brilhante trabalho de efeitos visuais do filme, que troca as ferramentas espalhafatosas que geralmente vemos em filmes do gênero, e utiliza os efeitos de maneira orgânica e absolutamente necessária, impressionando pela riqueza de detalhes.

Mas é claro que uma parcela bem grande do sucesso do trabalho se deve ao trabalho de Jaden Smith. O ator que surgiu de maneira carismática em A Procura da Felicidade (2006), aqui adquire um louvável grau de maturidade, com uma atuação bastante centrada, sem exageros, conseguindo trazer legitimidade a um personagem que tinha muitos elementos pra ser bem menos interessante do que é mostrado na tela.

O que destoa de maneira gritante com a falta de sutilezas de Will Smith. Um ator muito mais focado na sua imagem de celebridade do que propriamente alguém que trabalha com arte e tem respeito a ela, Smith passa o filme inteiro fazendo bico pra ressaltar uma exagerada cara de mau. Incumbido de interpretar um personagem muito rígido, o ator acomoda-se de maneira nítida e vergonhosa ao optar pela caricatura do general implacável, e atrapalha o desenrolar da sua relação com Kitai, pois enquanto o seu filho investe numa atuação sutil e afastada de afetações, ele fica fazendo caras e bocas, parece que fazendo força pra atuar.

Outro fator negativo são as desnecessárias inserções de flashbacks sobre a morte de Senshi (Zoë Kravitz), que da maneira como são colocadas apenas atravancam o filme, e inserem um tom didático desnecessário.

Mas mesmo com isso, não há como não se deixar levar pela trama, pelos efeitos visuais, e pela forma como o jovem rapaz faz descobertas importantes sobre a vida e si mesmo, tornando até o sentimental desfecho do filme soar bonito e esperançoso, prometendo um futuro menos cheio de incertezas para um diretor talentoso, mas problemático.

NOTA: 8,0