Uma das boas surpresas da comédia brasileira neste início de século, o Porta dos Fundos, coletivo célebre por seus esquetes rápidos e mordazes no YouTube, infelizmente vem desapontando a cada nova incursão no cinema. Certamente, não por falta de talento, ou coragem: Entre Abelhas (2015) era uma inesperada – e tocante – abordagem do problema da depressão; e Contrato Vitalício (2016) tinha duas ou três gags superiores a qualquer coisa da Globo Filmes nos últimos quinze anos.

Como Matt Groening deve ter percebido com Os Simpsons: O Filme (2007), porém, encaixar o humor em pílulas do grupo num arco dramático maior não é algo fácil de fazer. E a disposição dos integrantes de estender seus domínios por outras mídias, como a televisão e o cinema, em vez de oxigenar estes últimos, só parece estar desgastando a reputação de brilhantismo da turma. Fábio Porchat, por exemplo, apenas “queimou o filme” em trabalhos burocráticos como Meu Passado me Condena (2013) e o extraordinariamente ruim O Concurso (2013). Agora é a vez de Gregório Duvivier e Clarice Falcão (com a solidariedade de Rafael Infante, também da trupe) tentarem emprestar o carisma e hype do Porta a um filme que, em vez de clássico, nasceu velho: Desculpe o Transtorno.

Dirigido por Tomás Portella (Operações Especiais, Qualquer Gato Vira-Lata), o filme não é mais do que uma reedição da tediosa rivalidade Rio-São Paulo, com todos os estereótipos que já pareciam anacrônicos no tempo do Casseta & Planeta (nota aos mais jovens: década de 1990), quanto mais em 2016.

Eduardo (Duvivier) era um garoto como qualquer outro em sua infância no Rio: corria, brincava, era cheio de amigos. Com a separação dos pais e a ida a São Paulo, porém, o rapaz se transformou num solitário passivo, “pilhado”, com uma rotina metódica e concentração full-time no trabalho. Nos termos do filme, um paulista – e sua namorada tipicamente paulista, Viviane (Dani Calabresa), é neurótica, bitolada e só pensa em frequentar restaurantes gourmet e aulas de zumba. A morte da mãe de Eduardo, porém, o obriga a revisitar a velha casa, onde encontra toda a bagunça, os brinquedos, os cadernos de ideias, enfim, toda a vitalidade da sua antiga vida. É o Rio: sol, mar, montanhas, alegria de viver, botecos charmosos e uma mulher bem mais interessante e amigável, Bárbara (Clarice Falcão), que desperta em Eduardo uma nova personalidade – Duca, um rapaz despreocupado, charmoso e que só quer aproveitar a vida. A briga entre as duas personalidades para tomar controle do rapaz será o mote do restante do filme.

O tom mais delicado e o trabalho envolvente de Gregório e Clarice, com toda a química que se esperaria de um casal real (os dois se separaram em 2014) fazem de Transtorno um produto mais “redondo” e agradável do que O Concurso, claro, mas a raiz do humor, nos dois, é a mesma: estereótipos velhos e mofados, do tipo que se vê naquelas revistinhas de humor nas bancas, com o nordestino “cabra macho”, o nerd paulista, o malandro carioca, o sulista homossexual. Não fossem ideias tão óbvias e gastas, eu acharia bem mais graça nas sequências em que Eduardo vai de uma personalidade à outra. Talvez Portella realmente tenha buscado dar algum frescor ao material ao usar os talentos do Porta (numa das poucas gags que realmente funcionam, a da terapia em grupo, boa parte da trupe marca presença: Marcos Veras, Júlia Rabello, Luis Lobianco), mas, décadas de piadas sobre paulistas e cariocas depois, simplesmente não há nada de novo a dizer.

O Porta dos Fundos anda tão em alta que mesmo as experiências frustrantes dos últimos filmes não devem afastar a aura cool e inteligente que eles ainda conseguem emprestar a qualquer coisa em que apareçam. A naturalidade dos diálogos de Gregório e Clarice, o elenco cheio de rostos ligados ao humor mais interessante do país atualmente, a trilha sonora moderninha, tudo tentar dar uma embalagem bacanuda, mas o produto, na verdade, é humor cansado e gasto, que só deve agradar aos fãs de G e C e leitores de revistas de piadas. A discussão recente sobre o potencial danoso de declarações públicas de amor, motivada por um texto de Gregório sobre Clarice, por exemplo, é bem mais interessante de acompanhar.