Exceto por algumas festas temáticas, nós brasileiros não realmente comemoramos o Dia das Bruxas. Porém o conhecemos pelos filmes. O Halloween americano, que acontece na noite de 31 de outubro, virou uma divertida festa para crianças e uma grande oportunidade para se ver ou rever filmes de terror nas telas do cinema ou da TV.

Mas o que é o Dia das Bruxas? Tudo começou com as tradições pagãs do povo celta – disseminado por grande parte da Europa Ocidental – especificamente com o festival de Samhain. Entre a noite de 31 de outubro e a manhã do Primeiro de novembro, os celtas celebravam o fim da estação da colheita e o início do inverno, ou seja, a chegada da “estação escura” do ano.

Essa celebração tinha muito a ver com o sobrenatural. Segundo as crenças da época, nessa noite as fronteiras entre o mundo dos vivos e o dos mortos podiam ser facilmente atravessadas. As pessoas usavam fantasias estranhas para afugentar os maus espíritos. Havia até histórias sobre sacrifícios de bebês… Essas histórias ainda persistem como parte do folclore e sobreviveram mesmo depois da chegada do Cristianismo, que começou a se espalhar pela Europa a partir do Século IV e não via com bons olhos essas práticas pagãs.

Curiosamente, depois a Igreja Católica resolveu incorporar alguns desses rituais às suas celebrações. O Dia de Todos os Santos (All’s Saints Day em inglês) foi transferido de 1º. de maio para 1º. de novembro, e a véspera ficou conhecida como “All Hallows Even”. Depois esse termo foi abreviado para o conhecido “Halloween”, que se tornou tradição nos lugares de língua inglesa. Essa tradição foi levada aos Estados Unidos quando os colonos emigraram para a América. Lá, as crianças se vestem com fantasias bem diferentes daquelas usadas pelos antigos celtas e saem pelas ruas pedindo doces – caso não as recebam, elas fazem travessuras, numa versão um pouco modificada do processo de pedir oferendas para os deuses, praticado séculos atrás.

No cinema, o Dia das Bruxas sempre teve espaço no cinema americano e não necessariamente apenas dentro do gênero terror. Judy Garland foi vista passeando pela sua vizinhança na noite de 31 de outubro no musical Agora Seremos Felizes (1944). Grandes sucessos como O Sol É Para Todos (1962), E. T.: O Extraterrestre (1982) e Karatê Kid: A Hora de Verdade (1984) têm momentos importantes das suas histórias passados no Dia das Bruxas.

O diretor Tim Burton, que adora a data, já mostrou cenas ambientadas no Halloween e suas imagens icônicas em várias das suas produções, como em Ed Wood (1994) e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999), e também nas animações A Noiva Cadáver (2005) e Frankenweenie (2012), além de ter produzido O Estranho Mundo de Jack (1993), praticamente uma ode a esse dia. E há mais exemplos. O clímax do cultuado Donnie Darko (2001) se passa numa festa de Halloween. E mais recentemente, a diretora Lynne Ramsay tornou seu perturbador filme Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011) ainda mais assustador com uma cena na qual a personagem de Tilda Swinton passava um Halloween sendo assombrada pelos atos do seu próprio filho…

Porém, quando se fala em Dia das Bruxas no cinema, o que logo surge à mente é o clássico Halloween: A Noite do Terror (1978), dirigido por John Carpenter no início da sua carreira. Depois do filme, essa data nunca mais foi a mesma e passou a ficar ainda mais assustadora na mente do publico.

O filme de Carpenter é um primor de simplicidade. Ele começa a história em 1963, quando vemos num incrível plano-sequência o jovem Michael Myers espionando e depois assassinando a própria irmã. E ele era apenas uma criança quando o fez. 15 anos depois, Myers escapa do sanatório onde ficou preso desde então, numa noite de trovoadas, justo na véspera do Halloween. Ele retorna à sua cidadezinha natal, se apropria de uma máscara e umas facas e começa a seguir três garotas que vão passar a noite como baby-sitters de algumas crianças do bairro. Aos poucos ele faz suas vítimas, e o único que pode detê-lo é o seu psiquiatra, o Dr. Loomis (Donald Pleasence), para quem Myers é mais do que humano, é o mal encarnado.

Carpenter recebeu do produtor apenas uma vaga noção da história: babás em perigo perseguidas por um maníaco na noite de Halloween. O roteiro que ele concebeu com sua parceira e produtora na época Debra Hill é algo como uma lenda urbana, simples e ao mesmo tempo poderoso, capaz de colocar em suspense até mesmo quem não conhece ou não comemora o Halloween. Com um orçamento de meros 320.000 dólares, ele criou uma aula de cinema e um exercício de suspense preciso e impactante. Filmando no formato de tela Widescreen, o diretor teve um campo amplo para mostrar suas imagens, e ele frequentemente coloca a vítima de um lado do enquadramento e Michael Myers do outro, muitas vezes escondido pela escuridão. E a trilha sonora, composta por Carpenter, é instantaneamente reconhecida no mundo todo – se o Dia das Bruxas hoje em dia tem uma musica, é essa.

Halloween virou um dos filmes mais lucrativos da história do cinema e deu origem a uma franquia aparentemente interminável mostrando as novas chacinas de Michael Myers. John Carpenter só se envolveu como produtor em Halloween 2 (1981) e Halloween 3: A Noite das Bruxas (1982), este sem Myers, e depois deixou a série. O longa original foi refilmado pelo diretor e músico Rob Zombie, que tentou fazer algo diferente com o material, caracterizando psicologicamente o vilão, mas o resultado – Halloween: O Início (2007) – ainda hoje é polêmico. Porém fez sucesso o suficiente para ganhar uma continuação, um novo Halloween 2, lançado em 2009 e novamente comandado por Zombie.

De qualquer maneira, depois do filme de Carpenter ninguém nunca mais conseguiu olhar uma cara de abóbora ou crianças brincando na noite do mesmo jeito. Ao longo do tempo, a celebração do Dia das Bruxas se tornou acima de tudo cinéfila: qualquer um dos filmes mencionados neste artigo, e muitos outros, podem ser vistos nesta data, pois opções não faltam em DVD, nos canais por assinatura ou no Netflix – este último tem uma razoável seleção de clássicos e filmes de destaque no gênero terror, perfeitos para esta noite, como Psicose, Os Outros, Abismo do Medo, Poltergeist: O Fenômeno, as versões originais de A Hora do Pesadelo, A Profecia e Carrie: A Estranha, o remake de Halloween…

Há opções para todos os gostos e é altamente recomendado assistir a pelo menos um filme assustador na noite de 31 de outubro. Agarre a pipoca, apague as luzes e divirta-se. É bom embarcar no clima e entrar na festa, pois o Dia das Bruxas é uma celebração e ela já deixou para trás as suas características mais assustadoras. Bem, quase todas, porque nos filmes algumas delas sobrevivem.