Diamantino – Quero adotar um refugiadinho!

Apresentadora de TV – De onde poderia vir este refugiado?

Diamantino – Do Canadá.

Este bizarro diálogo travado na parte inicial de “Diamantino” exemplifica bem a proposta do filme: a partir de um astro do futebol, vemos a completa alienação da elite financeira europeia sobre a grave crise migratória no continente. A obra dirigida por Daniel Schmidt e Gabriel Arantes ainda aproveita para abordar a onda de nacionalismo e xenofobia em alta no Velho Continente.

Quem pensa, porém, se tratar de um filme denso, pesado, engana-se: a co-produção Brasil/Portugal/França utiliza-se da sátira, personagens bizarros e um clima nonsense para retratar este mundo maluco. Pode não acertar sempre nos alvos, mas, impede o espectador de sair indiferente quanto à história e temática.

“Diamantino” inicia em plena Copa do Mundo da Rússia 2018. O personagem-título está no auge da carreira e é a esperança de Portugal para o primeiro título mundial. Às vésperas da final, o craque se depara com um bote de refugiados no meio do mar e fica com a imagem na cabeça de uma mulher desesperada após perder um ente querido. Na grande decisão, Diamantino erra o pênalti, perde o título e, arrasado, decide se aposentar. Órfão do pai, ele se vê nas mãos das gananciosas irmãs, as quais vão tentar um negócio obscuro visando o lucro. A única chance de salvação será uma policial infiltrada na própria casa do craque adotada pelo craque como filha.

Tanto à história quanto à própria caracterização do ator Carloto Cotta (ótimo) e o país de origem do filme não deixam dúvidas: Diamantino é Cristiano Ronaldo. Mas, poderia ser Neymar, Messi, Griezman, Robben ou qualquer outro gigante do futebol mundial: sujeitos presos a redoma de iates e mansões, sem muita ligação com o mundo real, cercado de parças ou interesseiros de plantão vivendo em um universo de cãezinhos felpudos passeando livremente como se tudo estivesse bem. A analogia vai além do mundo do futebol, claro, cabendo à própria elite europeia em seu sonho de grandeza de outrora como já mostrara Michael Haneke no recente “Happy End”, amplificado, aqui, por ser tratar de Portugal com seu mito do sebastianismo à flor da pele.

Observando esse grau de loucura, a dupla Abrantes e Schmidt potencializa isso ao criar personagens surreais. Diamantino, por exemplo, é um sujeito tolo e inseguro, beirando uma criança abandonada à procura de colo. Como uma cientista diz, não possui nada na cabeça que preste. Já as irmãs, muito bem interpretadas pelas gêmeas Anabela e Margarida Moreira, poderiam ter saído de uma obra felliniana ou de um Almódovar mais histérico. Em contraste a isso, temos Aisha (Cleo Tavares), figura mais humana e próxima do público, o pêndulo para a realidade na trama.

O design de produção, efeitos visuais do cãezinhos, figurinos e direção de arte possuem um tom kitsch, cafona mesmo cheio de cores carregadas e vibrantes demonstrando quanto a desconexão com a realidade faz parte deste mundo de fantasia. Não à toa o desfecho de “Diamantino” se passar em uma agência governamental com cara de filme B e um embate quase pastelão entre três personagens, além, claro, dos bizarros efeitos colaterais do tratamento submetido ao protagonista.

Mesmo com a parte ‘brextianiana’ não chegando a funcionar tão bem assim pelo fato de não termos tempo de conhecer os agentes governamentais e as relações familiares dos protagonistas serem mais interessantes, “Diamantino” traz como principal ponto positivo a sabedoria de falar sobre temas tão sérios e perigosos com senso de humor. Igual prova o excelente ‘Tá no Ar’ neste Brasil obscurantista, o filme de Daniel Schmidt e Gabriel Arantes mostra como uma ironia certeira é sempre eficaz no recado.